“Se a constante gravitacional fosse um pouco menor, não existiria vida na Terra”. “Se a velocidade da luz fosse diferente, nosso universo não existiria”. “A Terra tem todas as condições perfeitas para a vida”.
Você provavelmente já ouviu alguma dessas frases. Muito usadas por teóricos criacionistas, elas buscam usar fatos científicos para justificar que as condições do Universo são perfeitas para a nossa existência, muitas vezes associando nossa existência com um grande Criador. Essa linha de pensamento deriva do princípio antrópico, criado por F. R. Tennant na década de 1930, e ele não pode ser considerado um argumento científico verdadeiro.
Quando estudamos Física e começamos a lidar com o grande número de constantes universais (como a velocidade da luz ou a constante eletrostática), temos a percepção de serem números perfeitos, ajustados como um relógio. O princípio antrópico em seu cerne é, na verdade, uma afirmação neutra. Formalmente, é definido como uma “consideração filosófica de que as observações do universo devem ser compatíveis com a vida consciente que o observa”.
O problema começa na matemática
Alguns argumentos falaciosos podem surgir em decorrência disso, como que se a constante gravitacional fosse mais forte, nosso universo jamais se expandiria e se resfriaria; se fosse mais fraca, não existiria o colapso das estrelas para sintetizar elementos metálicos (como carbono, nitrogênio, potássio e oxigênio) que dariam origem à vida.
NOTA: na astrofísica chamamos de “elementos metálicos” qualquer elemento mais pesado que o hélio.
O ponto é que não temos amostra suficiente para comprovar a validade dessa hipótese.
Conhecemos apenas um universo: o nosso. Isso não é amostra estatística suficiente para afirmar que nosso universo é perfeito para as condições de vida porque o único universo que conhecemos é o nosso, onde há vida! É natural que se mexermos na constante gravitacional a Física do nosso universo comece a ruir, mas também não há como negar a hipótese de que se a constante gravitacional fosse diferente, as outras constantes também seriam diferentes e as leis da Física se ajustariam de acordo para tudo entrar em equilíbrio. Lembre-se que tudo na natureza busca o estado de equilíbrio e menor energia. Com a hipótese de que os multiversos sejam reais, não podemos afirmar que os outros multiversos tenham exatamente as mesmas leis da Física que o nosso.
Mas além da falha estatística, temos também um problema básico em qualquer teoria científica: essa teoria não pode ser falseada. Como não podemos observar outros universos paralelos, isso gera um problema muito grande, pois o princípio antrópico não se trata de um argumento científico, mas um argumento filosófico. A suposição de que todos os mundos possíveis são realizados em um universo infinito é equivalente à afirmação de que qualquer conjunto infinito de números contém todos os números, o que obviamente é falso.
Algumas variações surgiram…
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O princípio antrópico pode ser estendido para o ponto onde a Terra tem vida, pois o nosso planeta tem todas as condições perfeitas para o surgimento da vida. A amostra estatística que sustenta essa afirmação tem apenas um elemento: o nosso próprio planeta.
A verdade é que há uma vasta evidência física, fóssil, genética e outras evidências biológicas consistentes de que a vida foi ajustada por meio da seleção natural para se adaptar ao ambiente físico e geofísico no qual a vida existe. A vida parece ter se adaptado à Terra, e não o contrário.
O Grande Evento de Oxigenação ocorreu quando as cianobactérias que vivem nos oceanos começaram a produzir oxigênio através da fotossíntese. À medida que o oxigênio se acumulava na atmosfera, as bactérias anaeróbicas foram mortas, levando à primeira extinção em massa da Terra. A mudança na diversidade e a chegada de oxigênio atmosférico podem ser analisadas para ver o que acontece quando um recurso que era escasso se torna muito abundante.
Mas nem tudo é de só ruim
O princípio antrópico tem sua utilidade dentro da cosmologia. Ele pode servir de guia para nossas buscas por vida inteligente na Via Láctea, por exemplo. Sabemos que a combinação de distância da estrela vs. condições atmosféricas vs. idade do sistema planetário é algo que deu certo aqui na Terra e, portanto, pode dar certo em outros lugares também.
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As condições da Terra são as únicas que podem abrigar vida? Certamente não. Mas se deu certo aqui, temos um excelente ponto de partida e menos chance de errar.
As pessoas afirmam que o princípio antrópico sustenta um multiverso; que o princípio antrópico exige que tenhamos um grande gigante gasoso para nos proteger dos asteroides; que o princípio antrópico explica por que estamos localizados à distância segura do centro galáctico. Em outras palavras, as pessoas usam o princípio antrópico para argumentar que o Universo deve ser exatamente como é porque existimos da maneira que existimos.
Não preciso me estender muito em dizer que todas essas afirmações são falsas.