Nikola Tesla: Mitos x Verdades

Por que a percepção pública sobre Nikola Tesla está errada? Uma pesquisa documental em fontes primárias e arquivos originais.
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O que você já ouviu falar sobre Nikola Tesla?

Nikola Tesla (c. 1890)

Que ele inventou a corrente alternada (AC) e trouxe energia elétrica ao mundo? Que ele e Thomas Edison travaram a “Guerra das Correntes” entre AC e DC e que o perseguiu pelo resto de sua vida? Que morreu abandonado e injustiçado?

Todos vemos essas informações frequentemente no YouTube, em posts de redes sociais, até mesmo em programas de TV. Buscando mais detalhes, desenvolvi uma pesquisa acadêmica em fontes primárias (arquivos originais dos próprios autores/inventores) e os dados que levantei mostram que grande parte dessas afirmações estão mal interpretadas ou simplesmente incorretas.

Alguns vão um pouco bem mais além e narram teorias conspiratórias e histórias de que Tesla tinha contato com civilizações alienígenas avançadas de Aldebaran que passavam segredos sobre uma nave antigravidade por meio de uma sociedade secreta mediúnica chamada Sociedade Vril. Não estou brincando! Veja aqui, aqui e um post aqui.

Prontos para entender a real história da corrente alternada? Então faça um café porque vem um longo texto pela frente — afinal, textos cheios de referências e fatos científicos de documentos originais são longos.

NOTA DO AUTOR: grande parte dessas pesquisas documentais (ou seja, pesquisa de fontes antigas originais, e não de livros ou artigos de terceiros) são de origem acadêmica que realizei durante minha graduação em Física, principalmente na disciplina de História da Física. Então tudo aqui é uma coleção do que fiz em alguns anos.

2ª NOTA DO AUTOR: todas as dezenas de referências bibliográficas estão no final do documento.

“Tesla inventou a corrente alternada”

“[…] relacionado à corrente produzida pela rotação de um ímã com a ajuda de um aparelho imaginada pelo Sr. Hippolyte Pixii.” (29 de outubro de 1832)

Jamais. A corrente alternada (AC) foi inventada e já era utilizada bem antes de Nikola Tesla nascer. Na verdade, registros mostram que o primeiro gerador de corrente alternada foi inventado em 1832 quando um fabricante de instrumentos francês chamado Hippolyte Pixii criou uma máquina que girava um ímã próximo a uma bobina de fios enrolados (AMPÈRE, 1832) — Tesla iria nascer mais de 20 anos depois, em 1856.

Gerador de indução de Pixii (c.1832). “Electricity in the Service of Man” por R. Wormell (1890).

Pixii se inspirou em uma publicação de Michael Faraday feita no ano anterior que diz que mudanças cíclicas em um campo magnético induziriam a geração de corrente elétrica em uma bobina — na física conhecemos esse fenômeno pelo nome de indução eletromagnética ou lei de Faraday. Na máquina de Pixii, ao girar a roda inferior e com o ímã se aproximando e se afastando repetidamente da bobina fixa na parte de cima, uma corrente elétrica alternada é gerada. No entanto, Pixii usava escovas metálicas para forçar o direcionamento da corrente para apenas um único sentido, como se fosse uma corrente contínua, ou DC.

Com o passar dos anos os geradores se tornaram mais complexos e, de acordo com um livro sobre eletricidade publicado no final do século XIX, em 1856, após frustrações com algumas escovas metálicas problemáticas, um grande gerador foi usado sem as escovas, descobrindo-se, para a surpresa de todos, que lâmpadas elétricas também poderiam ser acesas usando a corrente alternada (ALGLAVE; BOULARD, 1884, p. 233).

NOTA DO AUTOR: Tesla nasceu exatamente naquele ano, 1856, então me parece bem improvável que ele tenha alguma coisa a ver com o assunto.

Torre de lâmpada de arco em San José, Califórnia, em 1881, alimentadas por AC.

Durante muitos anos depois, a corrente alternada (AC) era frequentemente utilizada para acender lâmpadas de arco para iluminação pública, embora os dínamos, que usam corrente contínua (DC), ainda fossem considerados os ideais para as lâmpadas incandescentes.

A grande mudança na eletricidade aconteceu na década de 1880 com os transformadores. Os transformadores podem transformar a eletricidade gerada em alta voltagem e baixa corrente que pode viajar por longas distâncias sem perdas de energia em calor (resistência elétrica) e, então, transformar de volta em eletricidade de baixa voltagem e alta corrente para ser usada nas residências. Um trio de engenheiros húngaros, Zipernowsky, Bláthy e Déri, cujas iniciais eram ZBD, patentearam em 1885 o que hoje é conhecido como transformador ZBD. Esse design de fios de cobre enrolados em um núcleo laminado de ferro é o mesmo padrão para transformadores nos dias de hoje nas subestações de energia das cidades.

Transformador de W. Stanley (1886)

George Westinghouse se convenceu de que a corrente alternada era o futuro também para lâmpadas incandescentes após ler sobre os transformadores. O assistente de Westinghouse, William Stanley, patenteou uma forma mais simples e mais útil de um transformador em 1886. Naquele mesmo ano, Westinghouse e Stanley criaram o “primeiro sistema prático para fornecer iluminação elétrica usando corrente alternada com transformadores”. Há uma placa dedicatória no IEEE sobre eles:

Placa dedicatória do IEEE a William Stanley pela criação de transformadores para a distribuição de energia e a iluminação de Barrington, Massachusetts, usando corrente alternada.

Agora sim, chegamos a Nikola Tesla. [ou quase]

Um dos maiores problemas desse novo sistema de transmissão é que não havia maneiras práticas de criar um motor elétrico que fosse movido por corrente alternada, afinal, como fazer algo se mover em círculos se a corrente fica “indo e vindo”?

Motor de Galileo Ferraris (1885)

Em 1885, um italiano chamado Galileo Ferraris resolveu esse problema construindo um gerador de corrente alternada com duas bobinas separadas que produziam duas correntes separadas com diferentes períodos entre os picos, chamado de corrente polifásica.

Ferraris descobriu que essas duas correntes AC oscilando no tempo certo poderiam mover um cilindro em um círculo (FERRARIS, 1888). Esse foi o primeiro verdadeiro motor elétrico polifásico, ou de múltiplas fases, movido a corrente alternada. No entanto, o motor não era nem um pouco eficiente e, portanto, não publicou suas descobertas até 1888.

“Em 1885, Professor Ferraris construiu um motor […] que não foi, no entanto, mostrada publicamente até 1888.” (THOMPSON, 1902, p. 88)
O motor de Tesla (do lado inferior esquerdo) foi o que realmente despertou a atenção.

Enquanto isso, de forma totalmente independente de Ferraris, Tesla teve uma ideia bastante similar, também usando duas fases, mas com um motor mais prático e mais poderoso que ele patenteou em 1887. Embora a corrente polifásica de Tesla tivesse sido elogiada pela sua eficiência, naquela época as pessoas estavam mais interessadas era no motor.

Em 1888, George Westinghouse comprou a patente do motor de Tesla porque, de acordo com Westinghouse, sua empresa precisava também controlar o mercado de motores de corrente alternada.

Embora haja muito debate se Tesla foi o primeiro inventor da corrente polifásica, ou se Ferraris foi o primeiro, naquela época o próprio Tesla admitiu que ambos tiveram a mesma ideia simultaneamente como uma mera coincidência. Das palavras do próprio Tesla:

“Por uma das mais curiosas coincidências, no entanto, o professor Ferraris não apenas chegou independentemente aos mesmos resultados teóricos, mas de maneira idêntica quase nos mínimos detalhes.”

Nikola Tesla. “Mr. Nikola Tesla on Alternating Current Motors”. The Electrical World (25 maio 1889). p. 297-298. (ver texto completo)

Então, seja pelas mãos de Tesla ou de Ferraris, um motor de corrente alternada já estava em desenvolvimento e iria se tornar realidade.

NOTA DO AUTOR: já vi textos dizendo que Tesla foi o inventor do motor elétrico. Falso! Motores elétricos já existiam na época, mas eram movidos por corrente contínua.

Mas então, espere… Se Tesla não inventou a corrente alternada (Faraday e Pixii o fizeram), não foi o único que inventou a corrente polifásica (Ferraris também o fez) e a Westinghouse já estava implementando a AC em seu sistema de iluminação pública dois anos antes de Tesla criar seu invento, por que a “Guerra das Correntes” foi entre Edison e Tesla?

Isso nos leva à mais famosa das lendas urbanas.

“A ‘Guerra das Correntes’ foi uma batalha entre Edison (DC) e Tesla (AC)”

Manifesto de Thomas Edison contra Westinghouse e a corrente alternada.

Falso. O real e maior rival de Thomas Edison era o também empresário George Westinghouse, sendo Tesla apenas um coadjuvante.

Em 1880, Thomas Edison patenteou sua lâmpada elétrica incandescente (ele não inventou a lâmpada, mas patenteou uma lâmpada muito mais durável) e estava movendo sua empresa com grande sucesso, a Edison General Electric, que usava dínamos e corrente contínua (DC). Em 1886, a Westinghouse começou a fazer uso da corrente alternada e transformadores para iluminar as ruas e os edifícios das cidades. Edison, naturalmente, odiava Westinghouse e a corrente alternada por causa disso, e porque ele imaginava que a corrente alternada de alta voltagem era perigosa, escrevendo que “[…] tão certo como a morte, Westinghouse vai matar um cliente dentro de seis meses”. Edison, então, publicou em 1887 um manifesto público com capa vermelha e letras em caixa alta sobre os perigos da corrente alternada onde ele menciona George Westinghouse um total de 24 vezes e Nikola Tesla… zero.

Experimentos feitos por Harold Brown para criminalizar a corrente alternada.

Edison deixou, então, um homem chamado Harold Brown usar seu espaço para conduzir alguns experimentos bem grotescos, matando cachorros e cavalos com a corrente alternada (assim como promovendo o uso de corrente alternada para execuções de criminosos em cadeiras elétricas) para mostrar às pessoas quão perigosa era a corrente alternada.

Mas a corrente alternada se tornou ainda mais barata e mais poderosa em 1888, quando Tesla vendeu suas patentes de um gerador e motor polifásico para a empresa de Westinghouse, mas isso não foi o grande momento crucial na “guerra”. O que realmente mudou o rumo das coisas foi quando J. P. Morgan, um acionista majoritário da empresa de Edison, se cansou de todo o desperdício de dinheiro em processos legais e queria fazer uso da corrente alternada, mais barata e mais poderosa. Então, em 1892, ele orquestrou um golpe, excluindo Thomas Edison de sua própria empresa e fundindo a Edison General Electric Company com a Thomson-Houston Electric Company sem seu consentimento, removendo o nome de Edison do nome da empresa, transformando-se apenas em General Electric, ou GE, e levando à um desfecho à tal “guerra das correntes” (HAMMOND, 1941).

Thomas Edison era ganancioso, mas não trabalhou para impedir Tesla diretamente, e sim para impedir George Westinghouse e sua empresa de conquistar amplo mercado nos Estados Unidos com a transmissão de corrente alternada (que fazia uso dos inventos de Tesla). O invento de Tesla foi essencial para que a Westinghouse ganhasse a “Guerra das Correntes”, mas, novamente: o embate não foi contra Tesla diretamente.

Como podemos perceber até aqui, a real rivalidade entre Edison e Westinghouse nem ao menos se assemelha com a falsa narrativa moderna de uma corporação gigante e multimilionária (General Electric) contra um único indivíduo (Tesla). Toda a história foi misteriosamente transformada e reescrita como uma rivalidade entre as pessoas de Edison e Tesla, onde George Westinghouse e sua empresa foram simplesmente apagados da história e os inventos de Tesla não foram vendidos por espontânea vontade, mas roubados.

Então, se Edison não “combateu” Tesla na guerra entre AC e DC, por que existe a narrativa de que Edison frustrou e sabotou todos os planos de Tesla?

“Edison perseguiu Tesla”

Não é verdade (de acordo com o próprio Tesla, inclusive). É verdade que Tesla trabalhou para Edison brevemente em 1884 e, de acordo com sua autobiografia, quando Tesla trabalhou na filial de Nova York da empresa de Edison, o gerente local lhe ofereceu 50 mil dólares se completasse uma tarefa. Depois o gerente disse que tudo não passava de uma brincadeira e Tesla pediu demissão (TESLA, 1919) — eu faria a mesma coisa.

Trecho do livro My Inventions (1919) onde Nikola Tesla menciona o motivo de seu aborrecimento e sua saída da empresa de Thomas Edison.

Ao contrário da crença popular, segundo o próprio Tesla esse gerente local não era Edison, era apenas um dos funcionários de Edison, mas que em algum momento foi mudada para Edison como a origem da história de uma rivalidade inexistente. Nesse mesmo livro, apenas uma página antes, Tesla solta elogios e diz o quão grato ele era pela oportunidade de ter trabalhado com Edison (TESLA, 1919).

“O encontro com Edison foi um evento memorável na minha vida. Eu fiquei espantado com esse homem maravilhoso que […] conquistou tanto.”. Tesla finaliza dizendo “Em poucas semanas eu ganhei a confiança de Edison, e permaneceu dessa forma.”

Tesla escreveu todas essas boas palavras sobre Edison em seu livro autobiográfico My Inventions, publicado em 1919, cerca de 35 anos depois dele ter trabalhado na empresa de Edison e depois da tal “guerra das correntes” — exatamente o mesmo livro em que, capítulos mais tarde, Tesla culpa outras pessoas e agentes externos, e não Edison, pelas sabotagens de seus esforços de construir uma torre de transmissão de energia através do planeta Terra, a Torre de Wardenclyffe (que falaremos daqui a pouco). Então, de forma alguma parece que Tesla sentiu que Edison fosse o motivo de sua vida difícil — apesar de visivelmente abalado pela perda de sua torre.

“Tesla queria dar eletricidade grátis a todos”

A bobina de Tesla, em uma de suas fotos mais famosas (1899) e que ilustra a capa dessa matéria.

Aqui está uma má interpretação: Tesla nunca teve nada a ver com distribuir energia grátis para todos, mas de gerar energia grátis ao extrair a energia de fontes alternativas e distribuí-la por meios igualmente alternativos — e veremos daqui a pouco como a ideia de Tesla era meio “alternativa” demais.

Em 1891, Tesla inventou a bobina de Tesla, e pegou o mundo de surpresa com suas demonstrações impressionantes ao disparar raios e acender lâmpadas com o toque das mãos. Com tamanho sucesso, Tesla se convenceu de que poderia usar essa máquina para “eletrificar” a Terra inteira, de forma que ele poderia injetar energia elétrica em um ponto e retirá-la de qualquer outro ponto do planeta. Essa idealização era uma forma bastante curiosa de transmitir energia, através da própria Terra ao invés de fios condutores.

Patente onde Tesla idealiza a geração de energia grátis por meio da “energia cósmica”.

Em 1901, Tesla patenteou seu invento intitulado “Métodos de uso de energia radiante”. Ele visualizou o Sol como uma imensa bola de eletricidade, positivamente carregada com um potencial de cerca de duzentos bilhões de volts. Por outro lado, a Terra é carregada com eletricidade negativa. A tremenda força elétrica entre esses dois corpos constituía, pelo menos em parte, o que ele chamou de energia cósmica.

NOTA DO AUTOR: não é necessário grandes conhecimentos de Astronomia para perceber o quanto isso tudo soa absurdo.

A verdadeira razão de Nikola Tesla para o interesse em energia gratuita foi que ele aprendeu que havia o aquecimento do planeta causado por fontes artificiais de poluentes atmosféricos (MITRA, 2018). No entanto, apesar dos esforços em geração gratuita de energia, Tesla nunca conseguiu provar que seus inventos realmente funcionavam porque eles continham erros fundamentais de física impossíveis de serem resolvidos — e sua insistência infundada em “eletrificar a Terra”, ignorando as leis já existentes sobre o eletromagnetismo, foi a razão de seu fracasso, como veremos a seguir.

New-York Tribune, 7 ago. 1901, p. 4

Em 1901, ele convenceu J. P. Morgan, o mesmo cara que complicou bastante a vida de Edison nove anos antes, a lhe dar US$ 150 mil para que ele pudesse comprar um grande lote de terra e construir sua torre de transmissão através da Terra, chamada de Torre de Wardenclyffe. Enquanto isso, as invenções na bobina de Tesla eram bem úteis para enviar sinais telegráficos sem fio para longas distâncias em Wardenclyffe. Mas ele parou suas pesquisas com transmissões sem fio simplesmente porque seus métodos não funcionavam, enquanto os de Marconi sim. Em 1901, Guglielmo Marconi obteve sucesso ao enviar um sinal telegráfico sem fio para o outro lado do oceano Atlântico, da Inglaterra para os Estados Unidos (MARCONI, 1901).

Notícia do sucesso da transmissão de Marconi através do Atlântico em 15 de dezembro de 1901 (MARCONI, 1901).
Documento da Suprema Corte dos EUA sobre as patentes de Tesla e Marconi (U.S. SUPREME COURT, 1942).

É claro que Tesla ficou inconformado, pois, segundo ele, estava fazendo um trabalho muito mais grandioso “eletrificando a Terra”. Além disso, Tesla sabia que Marconi estava usando algumas de suas patentes. No entanto, em 1904, Marconi convenceu o escritório de patentes em reverter a decisão e concedeu a Marconi os direitos de seu transceptor e receptor.

Naquela mesma época, devido ao excesso de gasto de dinheiro sem resultados, J. P. Morgan se irritou com Tesla e sua torre e parou de investir em seus inventos. Tesla fracassou em conseguir outras fontes de financiamento porque mais e mais pessoas começaram a perceber que suas ideias não faziam o menor sentido. Um artigo publicado em 1903 diz:

“Suas apresentações eram cheias de falácias e absurdos, […] mas [para Tesla] o sensacionalismo espetacular era aceito como um substituto para o método científico.”

The Electrical Age: New York, v. 30, n. 2, fev. 1903

“Tesla era um físico genial”

Essa é a frase que mais me surpreende. Tesla era sim um engenheiro eletricista genial, com uma intuição apurada em como construir dispositivos elétricos incríveis, no entanto, seus conceitos de física básica eram horríveis. Extremamente horríveis.

“Ele discorda da teoria atômica da matéria, e não acredita na existência do ‘elétron’ […] e que se existe, é apenas no vácuo perfeito” (ARMAGNAC, 1928).

Tesla não acreditava na existência dos elétrons (ARMAGNAC, 1928); dizia que a mecânica quântica e a teoria da relatividade eram pseudociências (TESLA, 1935); ainda acreditava no éter luminífero e publicou no New York Herald Tribune (1932) que era impossível o espaço ser curvo. Surpreendentemente, considerando seu interesse e influência na transmissão sem fio, ele nunca acreditou que o rádio de Hertz funcionava, na verdade, com o deslocamento de ondas eletromagnéticas — Tesla se negava a usar o termo “radiofrequência” (RF), por exemplo.

A melhor forma de demonstrar a relação tortuosa de Tesla com a física e a matemática está em um artigo que ele escreveu em 1900. Esse artigo contém imagens muito icônicas, como a que ilustra a capa da matéria, mas em 36 páginas do artigo ele incluiu apenas uma única equação, $\frac{1}{2} mv^2$ (da energia cinética), onde diz que “v é uma certa velocidade hipotética que somos incapazes de definir ou determinar” e m é a massa da humanidade, que pode ser aumentada “pelo incentivo do casamento, pela atenção conscienciosa aos filhos e, em geral, pela observância de todos os muitos preceitos e leis de religião e higiene” (TESLA, 1900).

Oi?!

É disso que estou falando. Esse artigo acima não foi escrito no fim de sua carreira ou de sua vida. Esse texto foi escrito em 1900 durante o ápice de sua genialidade, e foi esse o artigo usado para convencer J. P. Morgan a lhe dar dinheiro para financiar a construção da sua Torre de Wardenclyffe.

Torre de Wardenclyffe
O galpão de Tesla e a Torre de Wardenclyffe.

Apesar de existirem rascunhos de Tesla de aparelhos de transmissão sem fio, como o rádio e o radar, o negacionismo de Tesla sobre a existência das ondas eletromagnéticas, uma área da física já consolidada e unificada pelas equações de James Clerk Maxwell décadas antes, o atrasou no correto entendimento e no aperfeiçoamento dessas tecnologias, pois Tesla não fazia a menor ideia de como as informações sem fio eram realmente transmitidas (REEVE, 1911; TESLA, 1919). No periódico The True Wireless, Tesla (1919) diz que as transmissões sem fio eram ondas transversais de compressão, como o som, que se deslocavam pelo ar ou pelo éter (!) e que as ondas longitudinais não poderiam viajar mais do que poucos metros em linha reta devido às leis de ação e reação (!!).

NOTA DO AUTOR: as ondas eletromagnéticas são ondas longitudinais, não precisam de um meio físico para se propagar e podem viajar por muitos bilhões de anos-luz.

Tesla negando as ondas eletromagnéticas e o espaço-tempo curvo em seu artigo “Pioneer Radio Engineer Gives Views on Power”, no New York Herald Tribune, publicado em 1932

Em vez disso, ele tinha sua própria ideia impraticável do que constituía “a verdadeira rede sem fio”, acreditando que correntes elétricas alternadas de alguma forma poderiam ser injetadas no solo para fornecer não apenas comunicação, mas também energia elétrica “em todo o mundo”.

A verdade é que a transmissão de energia grátis de Tesla era baseada em suposições completamente erradas sobre o funcionamento da atmosfera da Terra ou do eletromagnetismo. Com alguns cálculos básicos de eletrostática, já bem fundamentados ainda no século XIX, o próprio Tesla seria capaz de perceber que o campo elétrico enfraquece com o quadrado da distância, ou seja, 99% da energia elétrica seria perdida logo nos primeiros 60 metros.

“Tesla morreu esquecido e injustiçado”

É verdade que Tesla morreu pobre e endividado, mas não porque foi abandonado, e sim devido ao seu estilo de vida excêntrico, passando os últimos 10 anos de sua vida gastando fortunas com festas com membros da imprensa e convidados de honra e dando calotes em hotéis caros em Nova York. Somente no Hotel St. Regis, de onde foi despejado em 1923, Tesla acumulou uma dívida de 3 mil dólares — equivalente a US\$ 52 mil, ou R$ 268 mil, nos dias de hoje (calculadora) — que nunca foi paga (O’NEILL, 1944), se mudando, em seguida, para outro hotel, o Hotel Marguery.

Jantar organizado por Tesla em 1941, com a presença do lutador de boxe croata Fritzie Zivich.
Nikola Tesla na capa da Time (1931)

Nikola Tesla não foi injustiçado ou esquecido. Já foi capa da prestigiada revista norte-americana Time, no volume 18 de 20 de julho de 1931, em comemoração ao seu 75º aniversário. Cinco anos antes foi reconhecido e condecorado como doutor honorário em Engenharia pela Universidade de Belgrado e pela Universidade de Zagreb. Recebeu em 1934, da cidade de Filadélfia, a medalha John Scott reconhecendo sua invenção do motor de indução. Ainda nos últimos dez anos de sua vida, em 1937, Tesla recebeu das mãos do embaixador a Grande Cruz da Ordem do Leão Branco (TESLA, 1937) a medalha de mais alta honraria da República da Tchecoslováquia. No mesmo ano, recebeu o certificado de membro permanente da Academia Real Sérvia. Também em 1937, aos 81 anos, Tesla recebeu dois títulos de doutor honoris causa da Universidade de Paris e da Universidade de Poitiers, ambos na França.

Ahh, e Albert Einstein… Não há também nenhuma evidência da resposta de Einstein “eu não sei, pergunte ao Tesla” da pergunta feita a Einstein “como é ser o homem mais inteligente do mundo?”. É fato que Tesla desacreditava da física quântica, dos modelos atômicos modernos e chamava a teoria da relatividade de pseudociência, que insultava Einstein ao dizer ser “um metafísico e não um cientista de verdade” (TESLA, 1932), e que seria impossível o espaço-tempo ser curvo como a relatividade geral prevê.

Carta de Albert Einstein para Nikola Tesla (1931).

A primeira menção desse suposto diálogo do “pergunte ao Tesla” surgiu apenas em 2005 — é muito importante frisar que é muito fácil digitar qualquer frase, colocar como citação de pessoas famosas e publicar na Internet (como vemos aqui). Einstein tinha embates abertos com Niels Bohr sobre a mecânica quântica, onde Einstein alfinetava a teoria de Bohr e de como ele “o divertia com sua mera presença” (GILDER, 2008). Mas nunca disse nada sobre Tesla. Inclusive, em 1931, Tesla recebeu uma carta escrita a mão de Einstein, felicitando-o pelo seu 75º aniversário e pelo seu trabalho com correntes de alta-frequência. Dado seu embate espinhoso com Bohr, dizemos que isso é uma grande honra.

NOTA DO AUTOR: apenas uma liberdade criativa minha. Tesla era engenheiro eletricista e criticava uma teoria que não entendia e que não era sua área de estudo (física relativística). Se… SE… por acaso Einstein disse tal frase, certamente foi em tom de sarcasmo, algo do tipo: “Eu não sei, pergunte ao Tesla [porque ele é o sabido]”. Mas não há evidências de nada disso ter acontecido.

Nikola Tesla no hotel New Yorker na presença do rei Pedro II da Iugoslávia (1942).

Durante esse período, todos os anos Tesla realizava festas e eventos com grandes personalidades e jornalistas, onde gostava de falar sobre suas ideias e seus inventos. Em 1942, Nikola Tesla recebeu a visita do rei Pedro II da Iugoslávia em seu quarto no hotel New Yorker, onde morava. No ano seguinte, em 7 de janeiro de 1943, Tesla faleceria em Nova York aos 86 anos.

Nikola Tesla não foi esquecido, mas perdeu muito do prestígio que cultivou ao longo de sua carreira devido à sua fascinação em inventos que nunca criou ou inventos impossíveis que desafiavam as leis da física, como a promessa de um “raio da morte” capaz de matar um exército a 200 milhas (ALSOP JR., 1934; NYT, 1934) e acabar com todas as guerras do mundo (VIERECK, 1935). Naturalmente, mesmo com a iminência da guerra com a Alemanha, nenhum país se interessou em investir nesse tipo de equipamento.

“Tesla’s Ray”, Time, 1934.

Uma matéria publicada na revista Time em 1934 descreve os discursos de Tesla em seus últimos anos de vida como “pronunciamentos […] descartados como alucinações senis”. É fato que Nikola Tesla era falastrão e nunca se importou com a opinião alheia, mas, com o tempo, ele foi perdendo a própria credibilidade como engenheiro ao se vangloriar de experiências e realizações mirabolantes sem nunca as ter tirado do papel. Uma matéria escrita após sua morte na Time descreve Tesla como “um super-homem, inquestionavelmente um dos maiores gênios do mundo”, mas também um “cientista excêntrico e showman” e que outros cientistas “classificam muitas das ‘descobertas’ de Tesla como meros palpites, carentes de documentação científica” (O’NEILL, 1944).

Conclusão

Quando comecei a pesquisar sobre a história da eletricidade, eu esperava que Tesla tivesse um papel majoritário em seu desenvolvimento. Seus dispositivos são lindos e seu nome parece estar intrinsecamente conectado com a palavra “eletricidade”. No entanto, com muita pesquisa, descobri que muito do conhecimento popular sobre Tesla vem de um completo mau entendimento de sua vida e suas ideias.

Grande parte do mau entendimento vem da falta de pesquisa em fontes primárias, ou seja, nos documentos originais escritos no final do século XIX e começo do século XX pelos autores da construção daquele conhecimento. Uma pesquisa documental é exaustiva, por isso muitos buscam fontes em modernos livros de divulgação científica e documentários de fontes secundárias, terciárias ou até quaternárias — ponto onde a informação já se encontra demasiadamente degradada. Tesla odiava muitas das ideias da academia, como a escrita e publicação de artigos em alto rigor científico. Ele gostava de falar, dar discursos e arrancar aplausos com demonstrações, isso fez com que muitas das ideias de Tesla se tornassem impossíveis de serem reaproveitados por outros cientistas e engenheiros, dando a impressão de Tesla “cair no esquecimento”.

NOTA DO AUTOR: a base da ciência é o compartilhamento de conhecimento por meio da publicação de teses e artigos científicos. Sem publicações não há progresso. Veja Leonardo da Vinci, por exemplo, que documentava todos os mínimos detalhes de suas invenções.

Não obstante, não devemos menosprezar que Tesla foi um verdadeiro mago da eletricidade, e que seus dispositivos são até hoje, 100 anos depois, invenções maravilhosas construídas com base numa intuição apurada sobre a eletricidade e que até hoje fascinam físicos e engenheiros eletricistas.

Referências

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Nikola Tesla: Mitos x Verdades. Espaço-Tempo, 2022. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/nikola-tesla-mitos-versus-verdades. Acesso em: 28 abr. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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