Me deparei com essa pergunta em uma rede social. Muitas das respostas apresentadas estavam extremamente incorretas, com erros conceituais graves; outras estavam parcialmente corretas, mas ainda abriam margem para um mau entendimento. Isso serviu de inspiração para elaborar essa matéria de forma mais completa.
Sinto muito, mas precisamos de uma leve pitada de matemática para que o entendimento seja feito de forma científica e precisa, do contrário, minhas explicações se pareceriam com especulações e ela não teria mais peso do que a de um leigo.
Afinal… ciência!
Uma pitada de mecânica lagrangiana
Na mecânica clássica, ramo da física que estuda o movimento dos corpos e as transformações de energia, destacam-se três principais formalismos: a mecânica newtoniana, a mecânica lagrangiana e a mecânica hamiltoniana.
Em termos gerais, a mecânica newtoniana baseia-se diretamente nas três leis de Newton do movimento, relacionando forças, massas e acelerações. A mecânica lagrangiana, por sua vez, utiliza o princípio da ação estacionária e coordenadas generalizadas para descrever o sistema em termos de energia cinética e potencial. Já a mecânica hamiltoniana reformula as equações de movimento em termos de coordenadas e momentos (impulsos) generalizados — o que pode facilitar certos tipos de análise. Apesar das diferenças, esses três formalismos descrevem essencialmente a mesma física, oferecendo apenas pontos de vista distintos para o estudo do movimento.
Como o assunto desse post é energia, a mecânica lagrangiana nos será muito mais útil do que a mecânica newtoniana que estamos acostumados. Confesso que não é meu ramo da física favorito (acho que me traumatizei com um seminário sobre lagrangiana na faculdade), mas é bem interessante! 🙂
O campo eletromagnético e a teoria clássica de campos
Na teoria clássica de campos, o campo eletromagnético é descrito pela densidade lagrangiana:
$$\mathcal{L} = -\frac{1}{4} F_{\mu\nu} F^{\mu\nu} – j_\mu A^\mu$$
onde $A^\mu$ é o 4-potencial eletromagnético, $F_{\mu\nu} = \partial_\mu A_\nu – \partial_\nu A_\mu$ é o tensor de campo eletromagnético e $j_\mu$ é a 4-corrente que descreve fontes (cargas e correntes).
NOTA: Não se preocupe com o significado de cada letra ou símbolo. Mas antes de continuar, observe apenas que essa equação é a subtração de dois termos — isso será muito importante em breve.
Em termos mais simples, $A^\mu$ representa o campo eletromagnético, $F_{\mu\nu}$ descreve suas variações locais (partes elétrica e magnética) com o tempo e $j_\mu$ resume como a matéria interage com o campo eletromagnético. Quando comparamos essa estrutura com outras teorias de campo, às vezes chamamos o primeiro termo ($-\frac{1}{4} F_{\mu\nu}F^{\mu\nu}$) de “termo livre” ou “cinético” e o segundo termo ($- j_\mu A^\mu$) de “termo de interação”. Entretanto, essa analogia não deve ser tomada ao pé da letra como energia cinética ou potencial no sentido mecânico usual.
No vácuo, não há matéria. Se não houver matéria presente, então $j_\mu = 0$. Isso elimina o termo de interação, e a segunda parte é zero, restando apenas o primeiro termo, a lagrangiana livre do eletromagnetismo (ou lagrangiana de Maxwell):
$$\mathcal{L} = -\frac{1}{4} F_{\mu\nu} F^{\mu\nu}$$
Essa parte descreve um campo eletromagnético autossustentado que se propaga à velocidade da luz e carrega energia e momento. Na linguagem da teoria de campos, poderíamos dizer que só resta uma “parte cinética”, mas não se costuma dividir a energia do campo eletromagnético em “cinética” e “potencial” do jeito que fazemos na mecânica de partículas com massa.
Afinal, a luz é energia cinética ou potencial?
Em sentido estrito, a luz não se encaixa perfeitamente em nenhuma das duas categorias definidas pela mecânica básica. Fótons não têm massa de repouso e transportam a energia do campo eletromagnético. O rótulo “termo cinético” na lagrangiana significa apenas que se trata da parte livre do campo, isto é, sem interações com a matéria — mas chamá-la de “energia cinética” pode induzir ao erro se alguém imaginar o mesmo conceito de uma massa em movimento.
Quando há cargas ou correntes ($j_\mu \neq 0$), o campo eletromagnético interage com a matéria. Em cenários estáticos ou quase estáticos específicos, essa interação pode ser interpretada como “energia potencial” (semelhante à energia potencial eletrostática). No vácuo, porém, não existe essa interação mediada pela matéria; portanto, a energia do campo é simplesmente a energia do campo eletromagnético livre.
Em geral, “energia cinética” na teoria de campos se refere à forma como um campo evolui na ausência de interações externas, enquanto “energia potencial” costuma surgir de interações. Para a luz viajando no espaço vazio — onde não há criação nem absorção de energia por cargas — não existe a noção tradicional de energia potencial. Em vez disso, é mais correto dizer que a radiação eletromagnética carrega energia de campo, armazenada nos campos elétrico e magnético oscilantes.

Portanto, embora possa ser útil traçar analogias entre os termos da lagrangiana eletromagnética e as ideias de “cinético” ou “potencial”, é preciso tomar cuidado para não impor categorias mecânicas usuais a um campo sem massa. No vácuo, a luz é melhor descrita simplesmente como uma perturbação propagante do campo eletromagnético — que transporta energia e momento, mas não interage consigo mesma na teoria clássica.