Quais as evidências da teoria do Big Bang?

"O Big Bang é só uma teoria". Não! O Big Bang é sustentado por uma série de evidências comprovadas, preditivas e falseáveis no rigor do método científico.
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“O Big Bang é apenas uma teoria!”. “Como pode o Universo surgir do nada?”.

Essas são questões que todo astrofísico se depara. A ideia de que o Universo surgiu “do nada”, ou que foi uma grande explosão, ou que o Big Bang é “apenas uma teoria” são argumentos frequentemente ditos por leigos em cosmologia e sem a compreensão de como uma pesquisa científica funciona.

A teoria do Big Bang é a mais aceita pela cosmologia moderna. Ela foi construída ao longo de décadas por milhares de cientistas e incontáveis evidências provadas continuamente. Não é como se alguém tivesse acordado de manhã cedo e pensado: “Big Bang!”. Não. Existem muitas evidências encontradas ao longo de mais de um século de pesquisa que indicam uma rápida expansão do Universo primordial. Até hoje, não há nenhuma outra explicação coerente para a origem do Universo e a origem dos fenômenos observados (como a expansão ou a radiação de fundo).

Dividiremos essa matéria em duas partes. As evidências comprovadas são as já observadas, pesquisadas e extensivamente validadas ao longo dos anos, com explicações plausíveis dentro do rigor do método científico. As hipóteses em pesquisa são questões ou problemas ainda em aberto, sejam problemas observados, mas sem uma explicação definitiva (como o período inflacionário), ou problemas ainda sem observação ou explicação alguma (como a matéria escura).

Evidências comprovadas

A seguir, listaremos as evidências comprovadas que originaram e, até hoje, sustentam a teoria do Big Bang. Essas são evidências existentes, extensivamente pesquisadas e validadas por astrofísicos de todo o mundo. Até o momento, nenhuma outra teoria unificada conseguiu conectar e explicar todos os fenômenos comprovados descritos abaixo.

Radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB)

Radiação cósmica de fundo em micro-ondas
Mapeamento da radiação cósmica de fundo em micro-ondas pela sonda Planck. Fonte: ESA/Planck Collaboration.

A radiação cósmica de fundo em micro-ondas (também abreviada como CMB), descoberta em 1965, é um campo de radiação uniforme detectado em todas as direções do céu. No passado, o Universo era extremamente quente e denso. Conforme ele se expandia, a radiação se dissipou e perdeu energia. Os fótons tiveram seus comprimentos de onda “esticados” de tal forma que observamos atualmente essa radiação residual como radiação micro-ondas — como um ruído branco remanescente. Essas observações ajustam-se perfeitamente à previsão de um universo primitivo quente e denso.

Alguns argumentam que a CMB poderia ser radiação de uma fonte mais antiga ou resultado de processos não relacionados ao Big Bang. No entanto, a uniformidade e o espectro da radiação de fundo correspondem notavelmente bem às previsões da teoria do Big Bang. Nenhuma explicação alternativa leva em conta a uniformidade e as flutuações detalhadas observadas na CMB.

Expansão do universo e Lei de Hubble

Lei de Hubble
Desvio para o vermelho observado em supernovas tipo Ia. Fonte: Kirshner (2004).

No início do século XX, em 1929, o astrônomo Edwin Hubble constatou que todas as galáxias estão se afastando de nós. A prova estava no desvio Doppler detectado no espectro da luz de quase todas as galáxias. A maior parte apresentava um desvio para o vermelho.

Não apenas isso, Hubble também estabeleceu uma correlação entre desvio e velocidade radial: quanto mais distante um objeto celeste se encontra, mais forte é esse desvio para o vermelho, ou seja, rápido ele está se movendo para longe de nós. Essa é a Lei de Hubble. Essa lei se mostrou tão consistente e precisa (no gráfico, 600 Mpc = 1,95 bilhões de anos-luz) que é dessa forma que astrônomos medem a distância das galáxias e quasares (que estão tão longe que a medição por paralaxe não funciona).

O fato de todas as galáxias estarem se afastando implica também o fato de que, no passado, as galáxias estavam mais próximas. Segundo a Lei de Hubble, há exatamente 13,8 bilhões de anos, o Universo era um ponto. Além disso, a dilatação do tempo observada nas curvas de luz de supernovas distantes também comprova que o Universo está se expandindo continuamente.

O princípio cosmológico: a evolução de objetos distantes

Mapa do arranjo das estruturas do universo conforme a distância. Fonte: mapoftheuniverse.com.

Um conceito básico da cosmologia já abordado é que, quanto mais longe observamos, mais “para trás” no tempo também observamos. Uma galáxia a 10 milhões de anos-luz de distância mostra como ela era 10 milhões de anos atrás. O fato é que objetos muito distantes (mais antigos) também se mostram distribuídos de forma diferente e mostram um nível de evolução diferente das galáxias mais próximas de nós (mais recentes), dessa forma, podemos traçar uma espécie de linha do tempo da evolução de galáxias e quasares.

A tendência da matéria é de se aglomerar. Dos átomos formando moléculas, das estrelas formando galáxias, e galáxias formando os aglomerados. O fato é que quanto mais longe observamos, mais as grandes estruturas vão desaparecendo. Não há evidências de superaglomerados de galáxias ou de estruturas em uma distância maior do que 500 Mpc (megaparsecs). Isso significa que, no passado, o Universo era muito mais homogêneo, sustentando a teoria do Big Bang. Esse fato se chama princípio cosmológico.

Observe que, quanto mais longe observamos (e mais “no passado” observamos), as grandes estruturas, como superaglomerados, barreiras e filamentos, começam a desaparecer. A distribuição de galáxias se torna homogênea. Fonte: Two-degree-Field Galaxy Redshift Survey (2dFGRS/AAO).

O universo também se mostra isotrópico em escalas cosmológicas em todas as direções. A quantidade de galáxias observadas por unidade de área em qualquer direção do espaço é praticamente a mesma, sustentando a homogeneidade do Universo no passado.

Essas observações recentes derrubaram completamente a teoria do estado estacionário, sido popular entre os anos 1940 e 1960, que diz que a densidade da matéria no Universo em expansão permanece inalterada devido a uma criação contínua de matéria, o que contraria a teoria do Big Bang. No entanto, mapeamentos de telescópios modernos dos últimos 20 anos (como a imagem acima) mostram que o princípio cosmológico permanece mais do que confirmado.

Abundância de elementos leves

O processo de nucleossíntese estelar se consiste na transformação de elementos leves, como hidrogênio e hélio, em elementos mais pesados, como carbono, oxigênio, enxofre e silício. Supernovas produzem elementos ainda mais pesados, como ouro, mercúrio, prata e urânio.

Nucleossíntese do Big Bang
Projeção da nucleossíntese de elementos leves durante os primeiros momentos do Big Bang. Fonte: Pospelov e Pradler (2010).

No entanto, a quantidade atual de hélio presente no Universo é muito maior do que a esperada. Apenas as estrelas não seriam suficientes para produzir as quantidades de hélio observadas. A teoria prediz que muito do hélio que observamos teria sido sintetizado durante o Big Bang, cujo ambiente extremo dos primeiros minutos do Universo teria dado condições para a formação do hélio independente da síntese das estrelas.

Os modelos matemáticos mais modernos do Big Bang preveem determinadas abundâncias de elementos leves, como hidrogênio, hélio, lítio e berílio. Considerando a idade do Universo e a progressão das diferentes populações de estrelas, as estimativas previstas de nucleossíntese no Big Bang batem perfeitamente com as observações realizadas atualmente. Nenhum outro processo conhecido pode explicar as proporções e distribuição dos elementos leves com tanta precisão quanto a nucleossíntese do Big Bang.

A noite é escura: o paradoxo de Olber

Very Large Telescope VLT/ESO
Very Large Telescope (VLT/ESO)

O simples fato da noite ser escura também é uma comprovação da expansão do Universo, da Lei de Hubble e, por extensão, do Big Bang. O paradoxo de Olber diz o seguinte: se o Universo fosse estático e infinito, veríamos quantidades infinitas de estrelas, tornando a noite tão brilhante quanto o dia. O fato de o céu noturno ser escuro é consistente com a teoria do Big Bang, que descreve um Universo de idade finita, em expansão e em constante evolução.

Nas suas fases iniciais, o Universo estava num estado que não permitia que a luz viajasse livremente (como o plasma quente e denso do início do Big Bang). Somente depois que o Universo esfriou e se tornou transparente (recombinação), cerca de 380 mil anos após o Big Bang, a luz pôde viajar por vastas distâncias. Isso significa que há um limite para o quão longe podemos ver.

Além disso, o Universo não é estático, mas está em expansão. Esta expansão “estica” a luz de galáxias distantes, deslocando-a para a extremidade vermelha do espectro (desvio para o vermelho). Parte dessa luz é tão deslocada que sai da faixa visível para o infravermelho ou até comprimentos de onda mais longos, fazendo com que o céu pareça escuro.

Hipóteses ainda em pesquisa

Como qualquer área ainda recente da ciência, observamos muitos fenômenos desconhecidos, ainda sem uma interpretação física e/ou matemática concreta. São hipóteses que podem ser favoráveis, ou não, à teoria do Big Bang, mas é difícil responder sem maiores investigações e descobertas futuras (como a matéria escura), que dependem de telescópios mais avançados, computadores mais poderosos e instrumentos mais sensíveis.

Ondas gravitacionais

Ondas gravitacionais (LIGO)
Ondas gravitacionais. Fonte: LIGO/Caltech/MIT/LSC.

A detecção de ondas gravitacionais poderia fornecer evidências indiretas do Big Bang, particularmente do período inflacionário do Universo primitivo.

No entanto, as ondas gravitacionais podem ser interpretadas de forma diferente ou ter outras origens. Embora as origens exatas de ondas gravitacionais específicas possam ser discutíveis, as suas propriedades e efeitos gerais estão em linha com as previsões do modelo do Big Bang, especialmente no que diz respeito à inflação cósmica.

A pesquisa por ondas gravitacionais é muito recente (a primeira detecção aconteceu só em 2015). O avanço da tecnologia e uma maior sensibilidade dos instrumentos de detecção de ondas gravitacionais pode ajudar a responder muitas questões sobre elas.

Matéria escura e energia escura

Superaglomerados e filamentos galácticos
A matéria escura pode influenciar a formação de estruturas como superaglomerados e filamentos. Fonte: CXC/MPE/Springel.

A matéria escura e a energia escura não invalidam e nem provam diretamente o Big Bang, mas influenciam diretamente nas medições em escala cosmológica. A matéria e a energia escura são um dos maiores mistérios da cosmologia atual que, hipoteticamente, influenciaria na aceleração da taxa de expansão do Universo e no movimento de galáxias e estruturas, como superaglomerados. Hoje, observamos algumas discrepâncias (como a Tensão de Hubble) que são atribuídas à suposta existência da energia escura.

Atualmente, não temos tecnologia suficiente para detectar a matéria e energia escura. Ela é um tipo de matéria não-bariônica que não interage com nada que conhecemos, exceto a gravidade. Um entendimento mais profundo da matéria e da energia escura nos permitirá desenvolver modelagens mais precisas sobre a dinâmica da expansão do Universo.

Buracos negros primordiais

Os buracos negros primordiais são tipos hipotéticos de buracos negros que se acredita terem se formado no Universo primitivo, logo após o Big Bang.

Lente gravitacional de buraco negro
Ilustração do efeito de lente gravitacional causado por um buraco negro.

No Universo primitivo, teoriza-se que as flutuações aleatórias na densidade poderiam ter sido tão altas em algumas regiões que poderiam entrar em colapso por si só, sob a sua própria gravidade, formando buracos negros. Isso teria acontecido no primeiro segundo após o Big Bang. Ao contrário dos buracos negros formados pelo colapso de estrelas, os buracos negros primordiais podem ser incrivelmente pequenos, potencialmente tão leves quanto os asteroides, ou até mais leves. Isso os torna extremamente difíceis de serem detectados.

Os pesquisadores estão procurando ativamente por sinais desses tipos de buracos negros usando vários métodos, incluindo observações de ondas gravitacionais, astronomia de raios gama e estudos de lentes gravitacionais. A descoberta dos buracos negros primordiais ofereceria uma forma única de testar várias teorias cosmológicas, incluindo modelos inflacionários e a natureza da matéria escura.

O Big Bang “é só uma teoria”?

Por fim, o argumento mais frequente: “o Big Bang é apenas uma teoria”. No entanto, uma teoria científica tem significado totalmente diferente da teoria do linguajar popular.

O que popularmente todos chamam de “teoria” é o que chamamos na ciência de hipótese. Uma dedução, uma ideia especulativa ainda sem comprovação, mas que visa explicar determinados fenômenos e orientar futuras investigações. Na ciência, “teoria” tem um significado totalmente diferente.

Uma teoria científica é um conjunto de explicações fundamentadas e baseadas em evidências que explicam determinados fenômenos. Essas explicações foram repetidamente confirmadas através da observação e experimentação. As teorias científicas não são suposições, mas explicações detalhadas de fenômenos naturais apoiadas por evidências e pelo método científico. Uma teoria científica deve ser testável e deve ter um poder preditivo, assim como ser falseável (apoiada ou refutada por evidências empíricas).

Por exemplo, a teoria da relatividade geral explica o funcionamento da gravidade. A teoria cinética dos gases explica o comportamento de átomos e moléculas em condições de temperatura e pressão. A teoria clássica de campos descreve a interação entre campos elétricos e magnéticos, fundamentando o eletromagnetismo. O modelo padrão é a teoria que organiza as partículas fundamentais em bósons, férmions, quarks e léptons e suas interações fundamentais.

Alguém que argumenta que “o Big Bang é só uma teoria” certamente não entende nem o Big Bang, e nem o que é uma teoria científica.

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Quais as evidências da teoria do Big Bang?. Espaço-Tempo, 2023. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/quais-as-evidencias-da-teoria-do-big-bang. Acesso em: 28 abr. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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