Como funcionam os telescópios de raios X?

Eles não têm lentes e seus espelhos devem lidar com as peculiaridades das altas energias dos raios X. Como funcionam os telescópios como o Chandra e o NuSTAR?
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A luz visível compreende uma parte muito pequena de todo o espectro eletromagnético. Desde as ondas longas, como rádio e micro-ondas, até as ondas extremamente curtas, como os raios X e os raios gama, a luz que enxergamos é uma parte minúscula de toda a gama de informações que as ondas eletromagnéticas podem nos fornecer.

O espectro eletromagnético. A luz visível contempla uma pequena parte de toda a gama de comprimentos de onda que uma onda eletromagnética pode apresentar. Imagem: A. Fernandes.

As ondas eletromagnéticas de alta energia, como os raios X e raios gama, são emitidas por fenômenos astronômicos extremamente energéticos, como buracos negros e quasares, raios cósmicos, supernovas, estrelas de nêutrons e surtos de raios gama. Esses fenômenos são estudados por um ramo específico da astrofísica, chamado astrofísica de altas energias.

Para esse estudo, precisamos de telescópios de raios X especializados em detectar essa faixa de energia do espectro eletromagnético. No entanto, como os raios X são muito energéticos, seus telescópios não usam lentes (os raios X seriam absorvidos e espalhados). Isto quer dizer que é necessário um nível de tecnologia totalmente novo para a observação nessa faixa do espectro.

Vamos em frente!

As peculiaridades do raio X

Observar a luz em raio X não é igual observar a luz visível ou a luz ultravioleta. O raio X é extremamente energético. Isso significa que qualquer onda de raio X que colida com uma superfície é imediatamente espalhada ou absorvida. Isso quer dizer que as lentes, apesar de serem transparentes para a luz visível, são totalmente opacas para os raios X.

Então, precisamos usar espelhos.

Diagrama de um telescópio refletor newtoniano. A luz entra por uma abertura, se reflete num espelho parabólico no fundo do tubo, que reflete novamente em um espelho secundário na direção de uma ocular.

Os telescópios refletores, como os telescópios newtonianos e os Schmidt-Cassegrain, funcionam com um espelho no fundo de um tubo, que reflete a luz na direção de um espelho secundário que, por fim, reflete novamente a luz para a ocular (onde enxergamos).

Mas esse mecanismo também não funciona com os raios X. Como o comprimento de onda é muito menor, deve-se entender as propriedades desses fótons de alta energia e desenhar telescópios adaptados para estes fins.

O problema com o desenho dos telescópios tradicionais usados na astronomia óptica e no infravermelho é que os raios X que incidem em um ângulo próximo ao perpendicular em um espelho são quase que totalmente absorvidos ou dispersados, e não refletidos.

Lembra da refração, que estudamos na escola? Os raios X não são refletidos em ângulos muito altos, como os quase 90º de um telescópio refletor. No entanto, em ângulos extremamente pequenos podem ser refletidos, com a luz passando “de rasante”.

Diagrama de um telescópio tipo Wolter.

Telescópios do tipo Wolter

Com a intenção de construir um microscópio de raios X, o cientista alemão Hans Wolter, em 1952, projetou uma óptica reflexiva para focar e gerar imagens de raios X.

Os telescópios usam o mesmo desenho. Um dos modelos de construção usados para telescópios de altas energias ficou conhecido como telescópio Wolter, empregando uma técnica chamada refletância rasante. Em cada conjunto de refletores concêntricos (o primeiro conjunto organizado como paraboloide, o segundo, como hiperboloide), a luz é desviada em pequenos ângulos até um ponto focal.

Diagrama do Observatório de Raios X Chandra, da NASA, especializado em observações de raios X. Imagem: NASA/CXC/D. Berry. Adaptado pelo autor.

Como os raios X são refletidos em ângulos muito pequenos (lembre-se que se o ângulo for muito grande os raios X são dispersados), esses tipos de telescópios tem longos tubos, com distâncias focais podendo ultrapassar os 10 metros, como o Observatório de Raios X Chandra, que ilustra a capa dessa matéria.

Conjunto de espelhos hiperbólicos do Observatório de Raios X Chandra.

Telescópios modernos: o Chandra e o NuSTAR

O telescópio Chandra é um projeto iniciado na década de 1980, lançado pelo ônibus espacial Columbia em julho de 1999. O Chandra foi pioneiro na exploração do espaço em raios X e ainda está ativo, transmitindo belíssimas imagens e descobertas. Os telescópios de raios X mais modernos possuem materiais muito mais nobres e um conjunto de espelhos muito mais delicado. Um desses novos projetos é o NuSTAR.

O telescópio NuSTAR tem um conjunto muito maior, de 133 espelhos concêntricos. Na imagem, podemos ver o primeiro conjunto parabolóide, e o segundo conjunto hiperbolóide.

O NuSTAR tem um conjunto absurdamente maior de espelhos, quando comparado com o Chandra, garantindo uma maior resolução de imagem e área de abertura. Os materiais reflexivos também são mais nobres, permitindo ao NuSTAR observar fótons com energia de até 79 keV (ante os 10 keV de missões anteriores).

Sensores de raios X

Conjunto de 4 sensores do NuSTAR. Cada sensor é um quadrado de apenas 2×2 cm.

Os sensores de raios X funcionam de forma muito similar aos sensores de câmera fotográfica dos nossos celulares. No entanto, substâncias diferentes reagem de formas diferentes dependendo da energia dos fótons que o atingem. Existem substâncias que reagem com a luz visível (como os sensores do seu celular), outras que reagem com o infravermelho (como no James Webb), então é natural se supor que a composição dos sensores de raios X é bem diferente.

Os sensores de raios X são compostos de Cádmio-Zinco-Telureto (CdZnTe, ou simplesmente CZT). Os sensores CZT são altamente eficientes em transformar os fótons de alta energia dos raios X em elétrons. Esses elétrons são então “lidos” e transformados em sinal digital, ou seja, em imagem.

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Como funcionam os telescópios de raios X?. Espaço-Tempo, 2023. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/como-funcionam-os-telescopios-de-raios-x. Acesso em: 28 abr. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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