Como funcionam os reatores nucleares de tório?

Como os reatores a tório funcionam e por que eles são uma alternativa limpa e viável para energia abundante e segura.
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Centro de pesquisa nuclear na Holanda, com experimentos de reatores de tório. Imagem: NRG.

O tório (Th) é um elemento químico de número atômico 90 e massa atômica 232, com propriedades físicas que o tornam uma opção viável para a geração de energia nuclear limpa — juntamente com a fusão nuclear.

Encontrado em abundância na crosta terrestre, o tório é aproximadamente três a quatro vezes mais abundante que o urânio. É um metal levemente radioativo, de cor prateada, que se torna preto ao ser exposto ao ar devido à formação de óxidos. Diferentemente do urânio, o tório por si só não é físsil, mas pode ser convertido em um material físsil em um reator nuclear, abrindo novas possibilidades para a geração de energia limpa e segura.

Os reatores nucleares de tório utilizam um ciclo de combustível diferente dos reatores tradicionais de urânio. O tório-232, que é o isótopo natural mais comum, não é diretamente utilizável como combustível nuclear. No entanto, ao absorver um nêutron no interior do reator, o tório-232 se transforma em tório-233, que posteriormente sofre uma série de decaimentos beta até se transformar em urânio-233 (U-233), este sim um isótopo físsil.

  1. O tório-232 absorve um nêutron, transformando-se em tório-233, que é instável.
  2. O tório-233 sofre um decaimento beta, emitindo um elétron e um neutrino, e se transformando em protactínio-233 (Pa-233).
  3. O protactínio-233, também instável, passa por um segundo decaimento beta, transformando-se em urânio-233 (U-233), que é o material físsil utilizado no reator.

Esse ciclo de combustível é vantajoso porque o urânio-233 produzido é altamente eficiente em manter uma reação em cadeia controlada, resultando em uma queima mais completa do combustível. Além disso, o tório-232 é mais eficiente em termos de aproveitamento de combustível em comparação ao urânio-235 (usado em reatores tradicionais), por gerar menos resíduos de longo prazo e aproveitar uma maior proporção do combustível inicial. Isso ocorre porque, no ciclo do tório, quase todo o material é convertido em combustível útil, enquanto no ciclo do urânio, uma parte significativa do material permanece não utilizado, ou seja, não sofre fissão.

E a segurança dos reatores a tório?

Uma das principais vantagens dos reatores de tório é sua segurança inerente, proporcionada em grande parte pelo uso de sais fundidos e materiais moderadores específicos, como o grafite e os óxidos de berílio. Esses elementos desempenham um papel crucial na operação segura do reator, garantindo que a reação nuclear seja controlada e que os riscos de acidentes sejam minimizados.

Nos reatores de tório, os sais fundidos são frequentemente utilizados como meio de transferência de calor e como fluido que contém o combustível nuclear. O conceito de um reator de sal fundido (MSR, de molten salt reactor) envolve dissolver o tório — e, posteriormente, o urânio-233 gerado — em uma mistura de sais, geralmente fluoretos, como o fluoreto de lítio e o fluoreto de berílio. Esses sais fundidos têm um ponto de fusão relativamente baixo e permanecem estáveis em altas temperaturas, o que os torna ideais para uso em reatores de alta temperatura.

Um dos principais benefícios dos sais fundidos é que eles operam a pressões atmosféricas ou ligeiramente superiores, ao contrário dos reatores de urânio tradicionais que operam a alta pressão para manter a água líquida a temperaturas elevadas. A baixa pressão dos sais fundidos reduz significativamente o risco de explosões e falhas catastróficas no sistema de contenção. Além disso, em caso de falha no sistema de refrigeração ou de qualquer outro problema, o sal fundido pode ser rapidamente drenado para um tanque de contenção onde ele se solidifica, interrompendo a reação em cadeia e evitando um possível acidente.

Diagrama de um reator de sal fundido. Imagem: traduzido de 5W Infographic/Knowable.

Moderadores

Os materiais moderadores são substâncias usadas no reator para reduzir a velocidade dos nêutrons, aumentando a probabilidade de que esses nêutrons causem a fissão do combustível nuclear. Nos reatores de tório, moderadores como grafite ou óxidos de berílio são comumente utilizados.

Funcionamento do moderador de um reator nuclear de urânio-235. Imagem: traduzido de Enciclopædia Britannica.

O grafite é um moderador eficaz e amplamente utilizado em vários tipos de reatores nucleares. Ele tem a capacidade de desacelerar os nêutrons de alta energia, permitindo que a fissão do urânio-233 ocorra de maneira mais eficiente. Além disso, o grafite é estável em altas temperaturas e não reage com os sais fundidos, tornando-o uma escolha segura e confiável.

Óxidos de berílio também podem ser utilizados como moderadores. Eles têm uma alta condutividade térmica, o que ajuda a dissipar o calor gerado no reator, contribuindo para a estabilidade térmica do sistema. A alta eficiência desses moderadores na moderação de nêutrons de alta energia permite que o reator mantenha uma reação em cadeia controlada, minimizando a probabilidade de um aumento descontrolado da reatividade.

Segurança passiva

A combinação de sais fundidos e moderadores confere aos reatores de tório uma característica essencial como “segurança passiva”. Os reatores de tório são projetados para ter uma resposta negativa de temperatura, o que significa que, se o reator começar a superaquecer, a reação nuclear naturalmente diminui, evitando o risco de derretimento do núcleo. Ou seja, em situações de aumento inesperado da temperatura, o reator responde sem a necessidade de intervenção humana ou de sistemas de segurança ativos complexos.

Por exemplo, se a temperatura do reator aumenta além dos limites projetados, a viscosidade dos sais fundidos diminui, facilitando a drenagem do combustível para um tanque de contenção onde ele se solidifica, parando a reação nuclear. Da mesma forma, o comportamento dos moderadores em altas temperaturas ajuda a reduzir a taxa de fissão, contribuindo para a estabilização automática do reator. Essas características reduzem significativamente o risco de acidentes nucleares, como derretimento do núcleo, tornando os reatores de tório uma opção mais segura em comparação com os reatores de urânio tradicionais.

Impossibilidade de produção de armas nucleares

Outro aspecto crucial dos reatores de tório é sua incompatibilidade com a produção de armas nucleares. Embora o urânio-233 seja físsil, ele é acompanhado por urânio-232, que é altamente radioativo e emite radiação gama intensa. Essa radiação não apenas torna o manuseio do material para fins militares extremamente perigoso, mas também detectável, desincentivando seu uso em armas nucleares.

As pesquisas sobre reatores de tório começaram na década de 1950, durante o auge das descobertas nucleares. O Laboratório Nacional de Oak Ridge, nos EUA, conduziu algumas das pesquisas mais avançadas sobre reatores de sal fundido utilizando tório. Os resultados mostraram que esses reatores tinham grande potencial para a geração de energia segura e eficiente. No entanto, essas pesquisas foram amplamente ignoradas.

Reator de Hanford B, em 1945, que usava urânio e tinha o plutônio como subproduto — plutônio que era usado para o desenvolvimento de armas nucleares na Guerra Fria. Imagem: NPS.gov.

A principal razão para essa negligência foi o contexto geopolítico da época. Durante a Guerra Fria, o desenvolvimento de tecnologia nuclear foi fortemente influenciado por interesses militares. Reatores que utilizavam urânio-235 ou plutônio-239 foram preferidos porque podiam gerar subprodutos utilizáveis na fabricação de armas nucleares, especialmente o plutônio-239. Em contraste, o ciclo do tório, embora mais seguro e eficiente para a geração de energia, não oferecia as mesmas vantagens militares, uma vez que o urânio-233, produzido a partir do tório, é acompanhado de urânio-232, que torna a fabricação de armas praticamente inviável devido à alta radiação ionizante emitida.

Esse foco em aplicações militares levou ao abandono das pesquisas com tório, apesar de seu potencial. O desenvolvimento de reatores de tório foi relegado a um segundo plano, à medida que as superpotências investiram maciçamente em tecnologias nucleares que também poderiam ser usadas para a proliferação de armas nucleares.

Nas últimas décadas, no entanto, o interesse por reatores de tório tem ressurgido. Com o aumento da demanda por fontes de energia limpas e seguras, muitos países e instituições de pesquisa têm reavaliado o potencial do tório como uma alternativa ao urânio. Projetos de reatores de tório estão em desenvolvimento na China, na Índia e em outros países, onde os cientistas estão trabalhando para superar os desafios técnicos e econômicos associados à implantação dessa tecnologia.

Central Nuclear de Dayawan, Shenzhen, na China. Imagem: ChinaDaily.

A China, por exemplo, está investindo significativamente em reatores de sal fundido de tório, com planos ambiciosos de construir e operar reatores de demonstração nos próximos anos. A Índia, que possui grandes reservas de tório, também tem um programa nuclear voltado para o desenvolvimento de reatores de tório, com o objetivo de utilizar seus recursos naturais abundantes para a geração de energia.

Além disso, a crescente conscientização sobre os riscos ambientais e de segurança associados às tecnologias nucleares tradicionais está motivando governos e organizações a reconsiderarem o tório como uma opção viável. A tecnologia de reatores de tório é vista como uma maneira de reduzir a dependência de combustíveis fósseis, diminuir a produção de resíduos nucleares de longa duração e mitigar os riscos de proliferação de armas nucleares.

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HOSTI, B. P. Como funcionam os reatores nucleares de tório?. Espaço-Tempo, 2024. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/como-funcionam-os-reatores-nucleares-de-torio. Acesso em: 6 dez. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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