O que é a classificação espectral das estrelas e pra que ela serve?

No início do século XX categorizou-se as estrelas quanto à sua temperatura, cor e luminosidade. Qual a importância desse estudo?
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Sabemos que existem diversos tipos de estrelas em seus mais diversos tamanhos e cores. As cores das estrelas nos dizem muito sobre sua temperatura, massa e luminosidade. Estrelas azuladas são muito mais quentes, mais luminosas e consomem seu combustível muito mais rapidamente; estrelas vermelhas são mais frias, gigantes vermelhas estão nos estágios finais de sua vida enquanto anãs vermelhas são pequenas, tem menos da metade da massa do Sol e consomem seu combustível bem lentamente.

Espectro de emissão de elementos químicos
Espectro de emissão de alguns elementos químicos.

No entanto, as cores das estrelas nos dizem muito também sobre os elementos químicos presentes nela e quais desses elementos estão sofrendo reações nucleares em seu interior. Quando ionizados, elementos diferentes emitem luz em cores diferentes, tal como em fogos de artifício. Cada elemento emite luz em uma combinação única de comprimentos de onda e a emissão dessa luz acontece quando um átomo passa de um estado de alta energia para um estado de baixa energia. Essa característica é denominada espectro de emissão, e astrônomos classificam os espectros para identificar e catalogar as estrelas.

Temperatura de cor e corpo negro

Radiação de corpo negro
A radiação de corpo negro explica o motivo de uma barra de ferro começar a brilhar na cor vermelha ao ser aquecida em uma fornalha, seguida pela cor laranja, amarela, e se aproximando cada vez mais do branco.

Antes de entender como as estrelas são divididas quanto à sua temperatura de cor, precisamos entender o que realmente é a temperatura de cor.

Imagine que você tem um objeto que pode absorver e emitir perfeitamente todos os tipos de luz. Este objeto não deixa escapar nenhuma luz, então parece completamente preto aos olhos humanos. Mas aqui está a parte interessante: quando você aquece esse objeto, chamado de corpo negro, ele começa a emitir radiação na forma de ondas eletromagnéticas — ou seja, luz.

Mas se você continuar a aquecer esse corpo negro, algo interessante acontece: a cor da luz que emite muda. Independente de sua composição, quaisquer corpos negros numa temperatura similar irradiarão a mesma frequência de radiação eletromagnética. À medida que a temperatura de um objeto aumenta, a frequência da onda de radiação eletromagnética emitida também aumenta, emitindo infravermelho e, finalmente, chegando ao espectro de luz visível, emitindo luz vermelha, depois laranja quando aquecido um pouco mais, amarelo quando aquecido mais ainda, seguindo por todo o espectro visível até que o objeto comece a emitir radiação ultravioleta.

Curva de radiação de corpo negro
Quando um corpo negro se aquece o suficiente, o pico da emissão de radiação eletromagnética ultrapassa o infravermelho e atinge a luz visível, passando pelo vermelho, laranja, amarelo, assim como uma barra de ferro aquecida.

Ao buscar entender melhor o porquê de isso acontecer, Max Planck teorizou que a energia é quantizada e tem “pacotes de energia” definidos, chamados quanta. sendo o primeiro passo para o surgimento de um novo ramo da física, a mecânica quântica.

NOTA: Vale observar que não existe temperatura de cor verde, e sim branca, pois a temperatura de cor indica apenas o ponto máximo de emissão no espectro — o qual é uma curva. Quando a temperatura de cor atinge a metade do espectro visível (que seria o verde) ela ainda emite luz na frequência do vermelho e na frequência do azul. Todas as outras cores juntas formam o que? Exatamente, o branco.

Espaço de cor
O “caminho” que um corpo negro incandescente percorre no espaço de cor.

Adicionando uma pitada de matemática, a frequência máxima emitida por uma radiação eletromagnética ($\lambda_{max}$) se relaciona com a temperatura ($T$) na chamada Lei de Wien:

$$\lambda_{max} T = b$$

O valor $b$ é uma constante, não muda, mas a temperatura é variável e, por ser uma multiplicação, vemos que quanto maior a temperatura $T$, menor será o comprimento de onda emitido para o resultado ser igual.

Levando para a astrofísica, estrelas são excelentes modelos de corpos negros, pois elas não refletem radiação, apenas emitem. Estrelas mais quentes têm espectros que atingem o pico em comprimentos de onda mais curtos, ou seja, mais azuis; enquanto estrelas frias emitem luz em comprimentos de onda mais longos, mais vermelhos.

Guarde bem isso!

A técnica de medição dos comprimentos de onda emitidos e absorvidos pela luz das estrelas se chama espectroscopia astronômica e, junto com a fotometria (medição da intensidade dessa luz), é uma importante ferramenta na astrofísica para entendermos as estrelas.

As linhas de absorção das estrelas

Espectroscopia de estrelas do tipo A e tipo G
Estrelas quentes do tipo A emitem muito mais luz azul e têm linhas de absorção de hidrogênio bem nítidas. Estrelas do tipo G emitem luz em um espectro mais amplo e, por isso, são chamadas de estrelas amarelas.

Quando os astrônomos começaram a decompor a luz das estrelas com prismas, eles rapidamente perceberam que estrelas diferentes tinham linhas de absorção diferentes em seus espectros. Algumas estrelas tinham linhas de absorção fortes devido ao hidrogênio; algumas não tinham linhas de hidrogênio, porém tinham linhas indicando a presença de ferro, cálcio e outros elementos metálicos. Esses diversos tipos de estrelas foram então catalogados e agrupados em tipos espectrais.

Os diferentes tipos espectrais foram atribuídos com letras: com o tipo “A” associado às linhas de absorção de hidrogênio mais fortes, o tipo “B” o segundo mais forte e assim por diante no alfabeto (pulando algumas letras por vários motivos). As fortes correlações entre a variedade de linhas espectrais e cores das estrelas sugeriram que a causa estava ligada à física atômica.

Vamos à um exemplo mais direto do que estava realmente acontecendo.

Esquerda: um átomo absorve um fóton com energia igual à diferença dos dois níveis de energia (o átomo fica em um estado excitado) — a absorção desse fóton gera as linhas pretas da luz que o atravessa. Direita: ao retornar ao seu estado fundamental, o elétron emite um fóton com a mesma energia que foi absorvido inicialmente, gerando o contrário, o espectro de emissão.

Considere as linhas de absorção quando um gás de hidrogênio absorve fótons com uma energia qualquer que faz um elétron saltar do seu estado fundamental para uma camada atômica superior. Para que isso aconteça, esse gás deve conter átomos de hidrogênio com seus elétrons no estado fundamental. Com isso em mente, vamos supor que estejamos falando sobre a atmosfera de uma estrela:

  • Em estrelas frias, os átomos e moléculas não têm energia cinética suficiente para se mover tão rápido quanto as de um gás quente. Haverá poucas colisões energéticas entre átomos para jogar elétrons para estados excitados, então quase todos os átomos de hidrogênio terão seus elétrons no estado fundamental. Mesmo que haja muitos átomos de hidrogênio nessa estrela, não veremos muitas linhas de absorção.
  • Em estrelas muito quentes, os átomos na atmosfera se movem muito rapidamente. Existem muitas colisões energéticas e grande parte dos átomos de hidrogênio são ionizados, perdendo seus elétrons. Sem chance de produzir linhas de absorção.
  • Para estrelas com temperatura superficial na medida certa, de forma que as colisões elevem continuamente os elétrons para seu estado excitado, haverá muitos fótons capturados que excitarão os elétrons para as camadas superiores. Captaremos fortes linhas de absorção de hidrogênio.

Portanto, a falta de linhas de absorção de hidrogênio em uma estrela não significa, necessariamente, que a atmosfera dessa estrela esteja desprovida de hidrogênio. Também pode significar apenas que a estrela tem uma temperatura superficial muito baixa ou muito alta. Esses efeitos de temperatura são, de longe, um dos conceitos mais importantes na determinação dos tipos espectrais.

Uma vez que foi reconhecido que as diferenças nos tipos espectrais eram devidas principalmente às diferenças nas temperaturas das estrelas, toda a sequência espectral foi reordenada pela temperatura.

Classificação de Harvard

Espectroscopia e classes espectrais de estrelas

A pedra fundamental para a classificação das estrelas é a classificação espectral de Harvard, criada pela astrônoma Annie Jump Cannon (que, além de ter surdez quase completa, também foi a primeira mulher eleita a um cargo na American Astronomical Society), durante seus estudos sobre o espectro eletromagnético das estrelas entre 1918 e 1924. Sua classificação era tão precisa que em 1922 a União Astronômica Internacional adotou a classificação desenvolvida por Cannon como padrão, e é usada até hoje.

A classificação de Harvard é unidimensional, é como uma linha que classifica apenas a temperatura de cor de uma estrela. Originalmente a escala usava letras em ordem alfabética de acordo com as linhas de hidrogênio, mas que, conforme explicado anteriormente, foi reordenada para refletir as diferentes temperaturas de superfície das estrelas. Em ordem decrescente de temperatura as classes espectrais são: O, B, A, F, G, K e M. Três categorias adicionais (os tipos R, N e S) foram posteriormente elaboradas para representar estrelas frias e com abundância de metais pesados, mas não são muito usuais.

ClasseTemperaturaDescrição convencionalExemplo
O> 30.000 KAzulAlnitak
B10.000-30.000 KBranco-azuladaRigel
A7.500-10.000 KBrancaSirius
F6.000-7.500 KBranco-amareladaProcyon
G5.200-6.000 KAmarelaSol
K3.700-5.200 KLaranjaAldebaran
M2.400-3.700 KVermelhaBetelgeuse
Tabela 1 – Classificação de Harvard

Se você tem facilidade com inglês, poderá memorizar a ordem dessa classificação espectral com o seguinte mnemônico criado pelo astrônomo Henry Russell:

Oh, Be A Fine Girl, Kiss Me

Cada uma dessas classes é subdividida em 10 graus numéricos, de 0 a 9. O número 0 denota as estrelas mais quentes de seu tipo, enquanto o número 9 as estrelas mais frias. Ou seja, estrelas do tipo G2 são ligeiramente mais quentes e massivas do que estrelas G6. Então, ordenando estrelas mais quentes para as mais frias, podemos escrever: F8, F9, G0, G1, G2, …, G9, K0, K1, e assim por diante. Esses graus numéricos podem ainda ser decimais, como B1.5 (usando notação americana, com ponto).

Classificação estelar de Harvard

Classificação de Morgan-Keenan (MK)

O sistema de Harvard classifica apenas as estrelas quanto à sua classe espectral. Por outro lado, na classificação espectral de Yerkes — também chamada de classificação de Morgan-Keenan (MK) —, uma classe de luminosidade é adicionada junto à classe espectral de temperatura, identificada por algarismos romanos.

A classificação espectral de Morgan-Keenan é relacionada conforme a largura das linhas de absorção de determinados elementos. Estrelas mais luminosas são maiores e mais densas, logo, tem maior força gravitacional e maior pressão interna. Esse detalhe permite distinguir se uma estrela vermelha da classe M é uma anã vermelha (Próxima Centauri, do tipo V) ou uma supergigante vermelha (Betelgeuse, do tipo Ia).

ClasseDescriçãoExemplo
0 ou Ia+HipergigantesCygnus OB2 #12 (B3-4Ia+)
IaSupergigantes luminosasBetelgeuse (M1-2Ia)
IabSupergigantes intermediáriasAntares (M1Iab)
IbSupergigantes pouco luminosasAlpha Persei (F5Ib)
IIGigantes luminosasCanopus (A9II)
IIIGigantesArcturus (K0III)
IVSubgigantesAcrux (B0.5IV)
VSequência-principalSol (G2V)
VI ou sdSub-anãsEstrela de Kapteyn (sdM1)
VII ou DAnãs brancas40 Eridani B (DA)
Tabela 2 – Classificação Espectral de Yerkes

Diagrama de Hertzsprung-Russell

O Diagrama de Hertzsprung-Russell (também chamado de Diagrama HR) é um diagrama de dispersão que demonstra uma relação existente entre luminosidade de uma estrela e sua temperatura. Ejnar Hertzsprung descobriu que estrelas da mesma cor podiam ser divididas entre luminosas, que ele chamou de gigantes, e estrelas de baixa luminosidade, que ele chamou de anãs. Desta forma, o Sol e a estrela Capella têm a mesma classe espectral tipo G, isto é, a mesma cor, mas Capella é uma gigante, cerca de 100 vezes mais luminosa que o Sol.

Diagrama de Hertzprung-Russell (Diagrama HR)
Diagrama HR contando 22 mil estrelas observadas pelo satélite HIPPARCOS.

No diagrama HR, o eixo horizontal X é a classe espectral e o eixo vertical Y é a luminosidade. A temperatura cresce para a esquerda e a luminosidade para cima. O que é notável em um diagrama HR é que as estrelas não se espalham, mas se concentram em determinadas faixas. A maioria das estrelas está alinhada ao longo de uma estreita faixa na diagonal que vai do extremo superior esquerdo (estrelas quentes e muito luminosas), até o extremo inferior direito (estrelas frias e pouco luminosas). Essa faixa é chamada de sequência principal.

As estrelas da sequência principal têm, por definição, classe de luminosidade V. Um número significativo de estrelas também se concentra acima da sequência principal, na região superior direita (estrelas frias e luminosas). Essas estrelas são chamadas gigantes, e pertencem à classe de luminosidade II ou III. Bem no topo do diagrama existem algumas estrelas ainda mais luminosas: são chamadas supergigantes, com classe de luminosidade I. Finalmente, algumas estrelas se concentram no canto inferior esquerdo (estrelas quentes e pouco luminosas): são chamadas anãs brancas.

Vale lembrar que as estrelas anãs, na verdade, cobrem um intervalo de temperatura e cores que abrange desde as mais quentes, as anãs brancas, e têm temperaturas superficiais de até 200.000 K e são remanescentes estelares, até as mais frias, as anãs vermelhas, tendo temperaturas superficiais na média de 3.500 K e são estrelas da sequência principal.

Algumas outras classificações…

Fora das classificações convencionais, existe uma quantidade considerável de novas classificações bem específicas que passaram a ser utilizadas a partir de novas observações e descobertas. Algumas delas são…

Classe W: estrelas Wolf-Rayet

As estrelas classe W, também chamadas de estrelas Wolf-Rayet, são extremamente quentes e luminosas, e não tem linhas de emissão de hidrogênio. Ao invés disso, suas linhas espectrais são dominadas por emissões de hélio, carbono e oxigênio ionizado, mas não hidrogênio. A hipótese é que durante o estágio de gigante vermelha, pulsações e ventos solares podem ter expulsado as camadas externas de hidrogênio, deixando a camada quente de hélio exposta.

Classes L, T e Y: anãs marrons

Anã marrom
Ilustração do que seria uma estrela anã marrom.

As anãs marrons são objetos astronômicos que se posicionam acima dos planetas gigantes gasosos mais massivos e abaixo das estrelas com a menor massa possível para ocorrer a fusão do hidrogênio, por isso são apelidadas de “estrelas fracassadas”.

As classes espectrais L, T e Y foram criadas para classificar essas estrelas muito frias, mais frias do que estrelas da classe M e são observadas com telescópios infravermelhos, já que sua emissão está praticamente no limiar do espectro de luz visível.

  • Classe L: as anãs marrons, são estrelas logo abaixo das classes M, elas não têm massa suficiente para fundir o hidrogênio como uma estrela tradicional, porém sua pouca massa ainda é suficiente para fundir o deutério e o lítio, emitindo pouco calor. São muito apagadas, de cor vermelha escura, mas bem visíveis no espectro infravermelho.
  • Classe T: são estrelas mais frias que as de classe L e possuem linhas espectrais muito fortes de metano. Tem temperaturas entre 550 e 1.300 K (277 e 1027 °C) e suas emissões têm como pico o infravermelho, sendo praticamente invisíveis em luz visível.
  • Classe Y: também conhecidas como anãs sub-marrons, esses objetos são compostos por gás e se formam como estrelas, sua atividade interna produz calor (apesar da temperatura na superfície ser de ~300 K, ou 27 °C, um dia fresco de verão na Terra), porém sua massa é insuficiente para fundir qualquer elemento. De fato, essas estrelas estão mais próximas dos planetas gigantes gasosos do que as estrelas de fato, e ainda não há consenso entre astrônomos sobre classificá-los como planetas errantes.

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. O que é a classificação espectral das estrelas e pra que ela serve?. Espaço-Tempo, 2021. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/classificacao-espectral-de-estrelas. Acesso em: 24 abr. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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