Evolução estelar: o Diagrama H-R e a sequência principal

Jovens e com bastante hidrogênio pra queimar, as estrelas da sequência principal são a maioria das estrelas que vemos no céu, e há uma maneira bem interessante de classificá-las.
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Antes de continuar a ler sobre o Diagrama H-R e aprender sobre estrelas de sequência principal, é recomendado ler esse outro artigo onde apresentamos conceitos prévios de radiação de corpo negro, espectroscopia astronômica e classificação espectral.


No começo do século XX, dois astrônomos, Ejnar Hertzsprung e Henry Norris Russell, descobriram, de forma independente, que as estrelas poderiam ser correlacionadas e agrupadas em um gráfico de dispersão levando em conta sua luminosidade e sua classificação espectral — ou temperatura efetiva.

Essa organização formava três grupos distintos. O maior dos grupos, chamado de sequência principal, onde aproximadamente 90% das estrelas se encaixam, se propaga em uma faixa diagonal do canto superior esquerdo até o canto inferior direito. O segundo grupo é o das anãs brancas, que se aglomeram no lado esquerdo e inferior do gráfico e representam um grupo de pequenas estrelas do tamanho da Terra e são o que restou do núcleo incandescente de antigas estrelas maiores. Por fim, o terceiro grupo se localiza na parte superior do gráfico, o grupo das estrelas gigantes e supergigantes.

Inicialmente, Norris Russel imaginou que as estrelas evoluíam dentro da sua faixa da sequência principal, indo de um ponto até o outro. Estudos posteriores mostraram que essa teoria estava incorreta. A depender de sua massa, estrelas já nascem em um determinado ponto na região da sequência principal, e sua massa determina também como elas saem dessa faixa, migrando para outras regiões à medida que envelhecem.

O diagrama H-R é uma das ferramentas mais importantes para os astrônomos e mudou completamente a forma como compreendemos a evolução estelar.

A estrutura do diagrama

Um diagrama H-R feito com a análise de classificação de mais de 20 mil estrelas do Catálogo Hipparcos. Fonte: ESA.

O diagrama de Hertzsprung-Russel (ou apenas diagrama H-R) é um gráfico de dispersão que considera a luminosidade das estrelas (normalmente plotada no eixo vertical Y) e sua classificação espectral (normalmente plotada no eixo horizontal X). O eixo de luminosidade segue escala logarítmica, já que o brilho de uma estrela pode variar enormemente com seu tamanho e temperatura. O eixo que descreve sua classificação espectral considera a temperatura de superfície da estrela. Quanto mais quente a estrela, mais ela se encontra do lado esquerdo, próxima do eixo Y; quanto mais fria, mais ela se encontra do lado direito.

As classes espectrais são O, B, A, F, G, K e M. Cada uma dessas classes é dividida em outros 10 graus (de 0 a 9) e cada estrela recebe uma designação em algarismo romano de I a V, onde I são estrelas mais luminosas e V as mais apagadas. Estrelas quentes normalmente são da classe O e B, com temperaturas de 10.000-40.000 K. Suas contrapartes mais frias recebem as classes K e M. O nosso Sol se localiza mais ou menos no meio dessa linha: classe G2V.

NOTA: Você pode ler mais sobre o assunto e muito mais detalhes nesse artigo aqui, específico sobre classificação espectral e temperatura de cor.

Estrelas que se localizam na parte superior do gráfico são extremamente luminosas e, consequentemente, possuem um diâmetro muito maior. Esse é o reino das estrelas gigantes dentro do diagrama H-R. São estrelas massivas, e é exatamente devido ao seu tamanho (podendo ultrapassar 1000 vezes o diâmetro do nosso Sol) que são muito luminosas: quanto maior a área da estrela, mais luz é emitida.

Por outro lado, estrelas localizadas na parte de baixo são bem pequenas, chamadas de estrelas anãs. As anãs brancas têm um grupo especial no lado esquerdo do gráfico e são núcleos remanescentes de antigas estrelas. As anãs localizadas do lado direito do gráfico são as anãs vermelhas e as anãs marrons, estrelas da sequência principal consomem seu hidrogênio muito lentamente, são estrelas bem mais frias e podem viver por até centenas de bilhões de anos — ao contrário das estrelas no canto superior esquerdo que esgotam seu hidrogênio em poucos milhões de anos.

Um diagrama H-R catalogando as principais estrelas conhecidas. Clique na imagem para ampliar.

A sequência principal

Nosso Sol, uma estrela tipo G da sequência principal, numa imagem em infravermelho.

O agrupamento mais proeminente, e o que mais chama atenção nos diagramas H-R, é o eixo diagonal que se desloca do canto superior esquerdo para o inferior direito. É o eixo das estrelas da sequência principal.

A sequência principal representa o estágio de maior estabilidade das estrelas e essa classificação abriga aproximadamente 90% das estrelas conhecidas, incluindo o nosso astro-rei. A principal característica dessas estrelas é que elas estão na etapa de fusão de núcleos de hidrogênio (H) em hélio (He), estágio onde passam a maior parte de seu ciclo de vida. Estão na primeira metade de sua idade, ainda com muito combustível para queimar e seu núcleo está em equilíbrio estável entre pressão e força gravitacional.

A posição inicial de uma estrela recém-nascida nesse eixo é chamada de Sequência Principal de Idade Zero (ou ZAMS, do inglês). Estrelas novas podem surgir em qualquer ponto desse eixo, dependendo de sua massa. Essa faixa da sequência principal é diagonal, pois estrelas de grande massa tendem a ser mais quentes e consumir seu hidrogênio mais rapidamente, portanto são mais luminosas, de cor branca ou azulada, e ocupam o canto superior esquerdo. Estrelas de menor massa tendem a ser mais frias, avermelhadas, consomem seu combustível mais lentamente, são menos luminosas e, portanto, ocupam a porção inferior direita.

Classificação espectral das estrelas da sequência principal.

Para os curiosos matemáticos, a luminosidade (L) e o raio (R) de uma estrela podem ser correlacionados com uma temperatura efetiva (Te) através da lei de Stefan-Boltzmann:

$$L = 4 \pi \sigma R^2 T_{e}^4$$

Onde $\sigma$ é a constante de Boltzmann.

Pelo fato de as estrelas da sequência principal variarem tanto de massa, e por motivos didáticos, dividiremos a sequência principal em duas partes. Estrelas na metade inferior, com até 1,5 massas solares, fundem o hidrogênio numa reação nuclear conhecida como cadeia próton-próton. Estrelas acima de 1,5 massas solares (que ocupam a metade superior do gráfico) o processo de fusão acontece pelo ciclo de carbono, nitrogênio e oxigênio, conhecido como ciclo CNO. Falaremos sobre esses dois ciclos em detalhes no próximo capítulo sobre nucleossíntese estelar.

O traço evolutivo de uma estrela depende de sua massa (os números são as massas solares). Estrelas mais massivas, no topo, preservam sua alta luminosidade e se deslocam mais horizontalmente no diagrama à medida que envelhecem.

À medida que as estrelas vão envelhecendo e transformando elementos leves em elementos mais pesados, sua temperatura e luminosidade também muda, então essas estrelas começam a se deslocar pelo diagrama H-R. Normalmente esse deslocamento ocorre na direção do canto superior direito, para o ramo das gigantes vermelhas. As estrelas ficam maiores e, portanto, mais luminosas; e se esfriam, logo, se deslocam em direção à classe M. Chamamos esses caminhos que as estrelas percorrem ao longo da vida de “traços evolutivos”.

O estudo desses traços evolutivos é um ramo importante na astrofísica estelar e envolve pesquisas dedicadas. A posição da estrela dentro desse traço evolutivo permite aos astrônomos estimar a idade dessa estrela, sua composição e quantos anos restantes aquela estrela tem até sua morte.

O estudo dos traços evolutivos também permite prever o futuro do nosso próprio sistema solar, quando o Sol esgotar seu combustível e definir para sempre o destino dos planetas que o orbitam.


Parte 3: nucleossíntese estelar

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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Evolução estelar: nebulosas, protoestrelas e anãs marrons

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