O que é o problema dos três corpos?

Como o campo gravitacional criado por três corpos celestes produz um movimento caótico imprevisível?
Início

Em termos da gravidade, podemos definir a atração entre dois corpos com massa (como um planeta orbitando uma estrela) por meio da lei da gravitação universal de Newton. Essa lei nos diz que dois corpos com massa ($m_1$ e $m_2$) geram uma força de atração inversamente proporcional ao quadrado da distância entre eles ($r^2$), tudo isso proporcional a uma constante gravitacional ($G$), ou seja:

$$F = G \frac{m_1 m_2}{r^2}$$

Essa equação simples consegue descrever a órbita da Lua ou da Estação Espacial Internacional ao redor da Terra, a órbita da Terra ao redor do Sol, duas estrelas em um sistema binário, uma estrela orbitando um buraco negro, ou de qualquer problema envolvendo dois corpos. Essas órbitas são previsíveis e estáveis, pois um corpo atrai o outro, como dois dançarinos numa pista.

NOTA: Aqui não precisamos da relatividade geral, pois não estamos lidando com situações em escala cosmológica ou que envolva cenários relativísticos.

O problema acontece quando adicionamos um terceiro corpo nesse sistema. Esse terceiro corpo perturba a órbita dos outros dois corpos, atraindo-os. Essa perturbação também afeta a órbita dos dois primeiros corpos, que também afetará a órbita do terceiro, e assim por diante. Essa reação em cadeia produz um sistema caótico.

Assim como acontece com a turbulência de um fluido, não há nenhuma solução fechada na física capaz de prever um sistema de três corpos, pois eles se mostram completamente aleatórios. Esse é o problema dos três corpos.

Simulação da trajetória de três corpos idênticos com velocidade inicial zero. Imagem: Wikimedia Commons.

A complexidade do problema dos três corpos surge do fato de que pequenas variações nas posições iniciais ou velocidades dos corpos podem resultar em trajetórias muito diferentes com o passar do tempo. Como a força exercida pela gravidade entre os corpos depende da posição e da distância entre eles, e essas posições e distâncias variam continuamente, uma descrição matemática só é possível por meio de equações diferenciais ordinárias não-lineares de segunda ordem.

Essas equações não são fórmulas prontas que nos dão a posição final dos corpos (como costuma acontecer nas fórmulas de aceleração e velocidade que vemos na física), e sim permitem determinar a progressão passo-a-passo de um sistema caótico a medida que o tempo vai passando.

Um exemplo de uma dessas equações para o corpo 1:

$$\frac{d^2\vec{r_1}}{dt^2} = G \left( \frac{m_2}{|\vec{r_1}-\vec{r_2}|^3} (\vec{r_2}-\vec{r_1}) + \frac{m_3}{|\vec{r_1}-\vec{r_3}|^3} (\vec{r_3}-\vec{r_1}) \right)$$

E essas equações precisam ser resolvidas também para o corpo 2 e o corpo 3. Isso nos dá um “mapa” do que está acontecendo com os três corpos (como a direção e a intensidade das forças), de quem está atraindo quem, em um instante de tempo. Para outro instante de tempo, as equações devem ser recalculadas, pois a posição dos corpos mudou — e as forças também mudaram.

Vetores de força gravitacional em um problema de três corpos. Imagem: Fizell, Z.

Estas simulações podem fornecer previsões altamente precisas das posições dos corpos ao longo do tempo, mas não oferecem uma fórmula direta para descrever o movimento para todas as condições iniciais.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Computação de Alto Desempenho. Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela UFSC. Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e telescópios robóticos.

Publicação anterior

O que é radiação ionizante?

Próxima publicação

As Três Marias, as estrelas do Cinturão de Órion