Sagittarius A*: o buraco negro no centro da nossa galáxia

Não podemos vê-lo através das densas nuvens de poeira, mas o coração da nossa própria galáxia abriga um buraco negro supermassivo.
Início
Very Large Telescope (VLT) com um laser apontado para Sagittarius A*.
Um laser apontado para Sagittarius A* no centro da galáxia, emitido pelo Very Large Telescope (Chile).

Bem no coração da nossa galáxia está uma região conhecida como Sagittarius A. Essa região é conhecida por ser o lar de um buraco negro supermassivo com milhões de vezes a massa do nosso próprio Sol. A descoberta de Sagittarius A* (pronuncia-se “sagitário A-estrela”) levantou evidências de que podem existir buracos negros supermassivos no centro de quase toda galáxia espiral ou elíptica.

É o buraco negro supermassivo mais próximo de nós, e apesar de estar tão perto da gente, nós nunca conseguiremos apontar um telescópio e enxergá-lo em luz visível. Sagittarius A* está sempre escondido atrás das nuvens de poeira dos braços espirais da galáxia, o que barra grande parte das emissões de radiação que emana dele (efeito conhecido na astrofísica como “magnitude de extinção”).

Os estudos envolvendo Sagittarius A* renderam a Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez o prêmio Nobel de Física de 2020.

Como ele foi descoberto?

Karl Jansky
Karl Jansky, considerado o pai da radioastronomia.

Karl Guthe Jansky era um físico e engenheiro de rádio que, enquanto trabalhava no Bell Telephone Laboratories, havia construído uma antena para receber sinais de comprimentos de onda longos, na faixa dos 20,5 MHz (ondas de rádio). A antena tinha cerca de 30 metros de largura e foi montada numa estrutura com pneus em sua base, então podia ser apontada para qualquer direção. O objetivo era bem simples: descobrir o que estava causando a estática que interferia nas chamadas telefônicas transatlânticas.

Após os registros de sinais de todas as direções por vários meses, Jansky eventualmente classificou-os em três tipos de estática: sinais mais fortes eram de tempestades próximas, sinais mais fracos eram de tempestades distantes e um fraquíssimo sinal constante de origem desconhecida. Ele passou mais de um ano investigando a fonte do terceiro tipo de estática. A intensidade do sinal variava do máximo para o mínimo uma vez por dia, levando Jansky a supor que ele estava detectando radiação do Sol.

Karl Jankst e sua enorme antena de rádio de 30 metros.

Alguns meses após os registros dos sinais, no entanto, o ponto mais forte se afastou da posição do Sol. Jansky também determinou que o sinal se repetia em um ciclo de 23 horas e 56 minutos, o período da rotação da Terra em relação às estrelas (dia sideral), em vez de em relação ao Sol (dia solar). Ao comparar suas observações com mapas astronômicos, Jansky concluiu que a radiação estava vindo da Via Láctea e era mais forte na direção do centro da galáxia, na constelação de Sagitário.

Publicação no New York Times mencionando a descoberta de Karl Jansky.

Sua descoberta foi amplamente divulgada, aparecendo no New York Times de 5 de maio de 1933. Nesse mesmo ano, ele publicou um artigo intitulado “Distúrbios elétricos aparentemente de origem extraterrestre”. Jansky queria investigar ainda mais as ondas de rádio da Via Láctea depois de 1935 (ele chamou a radiação de “ruído das estrelas”), mas ele encontrou pouco apoio dos astrônomos, afinal Jansky não era astrônomo, ou da Bell Labs, que não poderiam justificar o custo de pesquisa sobre um fenômeno que não afetou significativamente os sistemas de comunicações transatlânticos.

Vários cientistas estavam interessados na descoberta de Jansky, mas a astronomia de rádio permaneceu um campo adormecido por vários anos, devido em parte à falta de treinamento formal de Jansky como astrônomo. Sua descoberta veio no meio da Grande Depressão, e os observatórios estavam cautelosos de assumir quaisquer projetos novos e potencialmente arriscados.

A região dessa fonte de ondas de rádio mais tarde ficou conhecida como Sagittarius A. Observações posteriores mostraram que Sagittarius A se consiste em vários subcomponentes sobrepostos. Um componente brilhante e muito compacto, Sgr A*, foi descoberto em 13 e 15 de fevereiro de 1974, pelos astrônomos Bruce Balick e Robert Brown usando o interferômetro de linha de base do National Radio Astronomy Observatory. O nome Sagittarius A* foi cunhado por Brown em uma publicação de 1982 porque a fonte de rádio foi “emocionante”, e estados excitados de átomos são denotados com asteriscos.

Qual o tamanho desse buraco negro?

As melhores observações feitas de Sagittarius A*, usando uma técnica de radioastronomia chamada VLBI (sigla para Very Long Baseline Interferometry, vamos falar sobre isso logo), determinou que ele tem aproximadamente 4,31 milhões de massas solares, e cálculos indicaram aproximadamente 44 milhões de quilômetros de diâmetro (quase a distância do Sol até Mercúrio).

O tamanho do horizonte de eventos de um buraco negro é determinado pela equação do Raio de Schwarzschild:

$$r_s = \frac{2MG}{c^2}$$

Onde $M$ é a massa, $G$ é a constante gravitacional e $c$ é a velocidade da luz. Com essa simples equação podemos determinar o tamanho de Sagittarius A* — ou, ao menos, de seu horizonte de eventos. Mas se para desvendar o tamanho de um buraco negro precisamos de sua massa, então, como a massa foi determinada?

Determinando a massa de Sagittarius A*

A força gravitacional de um corpo (seja um planeta, estrela ou buraco negro) é diretamente proporcional à sua massa. Tivemos uma introdução sobre isso nas aulas de física do Ensino Médio, a lei da gravitação universal de Newton:

$$F = G \frac{m_1 m_2}{r^2}$$

Análise das estrelas que orbitam Sgr A* permitiu a estimativa de sua massa.

Lógico que os cálculos se tratando de buracos negros são absurdamente mais complexos, envolvendo a teoria da relatividade geral, porém o conceito é o mesmo: massa e gravidade são diretamente proporcionais. Portanto, é possível fazer o caminho inverso e determinar a massa de um buraco negro a partir de estimativas de sua atração gravitacional.

Observações do movimento das estrelas próximas e orbitando Sagittarius A* permitiu estimar sua gravidade. Uma das maiores referências é a estrela S0-2, uma gigante azul que se aproxima até 120 UA (unidades astronômicas) do buraco negro e completa uma órbita a cada 16,05 anos terrestres. A observação de sua máxima aproximação em agosto de 2018 cumpriu todas as previsões teóricas baseadas na relatividade geral, o que rendeu o prêmio Nobel para Reinhard Genzel e Andrea Ghez.

O estudo das órbitas elípticas das estrelas permite não apenas estudar Sagittarius A* especificamente, mas também investigar a existência de outros corpos celestes ou fenômenos naquela região, como estrelas de nêutrons, anãs brancas ou nuvens escuras.

VLBI: Interferometria de Longa Linha de Base

Esse é um assunto que poderia ter um post dedicado, mas como estamos falando sobre buracos negros, o assunto é extremamente pertinente. As observações de rádio detalhadas nos dias de hoje não são mais feitas por uma única fonte, uma única antena, temos várias antenas captando os mesmos sinais; e ainda mais, temos várias antenas em pontos diferentes do planeta captando os mesmos sinais. Esses sinais são, posteriormente, combinados: sinais iguais são amplificados e sinais diferentes (ruídos por condições meteorológicas, por exemplo) são limpos. Essa técnica se chama interferometria.

Ilustração do funcionamento do VLBI: Interferometria de Longa Linha de Base
Ilustração do funcionamento da interferometria de linha de base. Devido à curvatura do planeta, o sinal chega em antenas diferentes com um pequeno atraso.

A distância entre um radiotelescópio é outro é chamada de linha de base. Quanto maior a linha de base, maior a resolução angular do conjunto. Como a Terra é um globo, redondo, as antenas sempre estarão em distâncias ligeiramente diferentes da fonte do sinal de rádio. Então um sinal de um quasar, por exemplo, é captado com um pequeno atraso de pequenas frações de segundos na segunda antena. Esse tempo de atraso é medido com relógios atômicos com extrema precisão. Os dados são, então, correlacionados e calculados.

Os cálculos da interferometria de longa linha de base permitem uma altíssima resolução angular, possibilitando avaliar a massa e distâncias precisas de fontes de rádio, como quasares e supernovas. Essa técnica é usada não apenas na astrometria, mas também na geodésia, mapeando o movimento das placas tectônicas com uma precisão de milímetros.

Observações futuras: o Event Horizon Telescope

Detalhe das localizações dos telescópios participantes do Event Horizon Telescope (EHT) e do Global mm-VLBI Array (GMVA).

Desde o início do desenvolvimento do projeto do Event Horizon Telescope (EHT), que é um VLBI, as equipes tinham Sagittarius A* como um dos alvos. Apesar das equipes do EHT estarem observando o buraco negro da Via Láctea desde o início, ainda não foi possível uma imagem dele – esse feito ficou para M87*, o buraco negro que falamos no artigo anterior e rendeu imagem nas capas dos jornais no mundo todo. Isso se deve ao fato de que M87* é um “monstro”, com mais de 6,5 bilhões de massas solares. Sagittarius A* é bem pequeno: 4,31 milhões de massas solares. Então apesar de Sagittarius A* estar bem mais próximo de nós, ele também tem apenas 0,07% da massa de M87*. Impressionante, não?

A observação de Sagittarius A* exigirá uma série de modificações e aperfeiçoamentos em sua rede de radiotelescópios, assim como otimizações nos algoritmos que tratam as imagens. A expectativa é que tais aprimoramentos fiquem prontos até o final da década. Enquanto isso, seguimos aguardando ansiosos…

Referências

  • ALEF, W. VLBI Technology. Max Planck Institute for Radio Astronomy. Disponível em: <https://www.mpifr-bonn.mpg.de/technology/vlbi>. Acessado em: 13 de abr. de 2021.
  • GILLESSEN, S.; EISENHAUER, F.; TRIPPE, S.; ALEXANDER, T.; GENZEL, R.; MARTINS, F.; OTT, T (2008). Monitoring stellar orbits around the Massive Black Hole in the Galactic Center. Disponível em: <https://arxiv.org/abs/0810.4674>. DOI: 10.1088/0004-637X/692/2/1075.
  • HODGE, P. W. Sagittarius A*. Encyclopedia Britannica. Disponível em: <https://www.britannica.com/place/Sagittarius-A-astronomy>. Acessado em: 9 de abr. de 2021.
  • The Nobel Prize in Physics 2020. The Nobel Prize. Disponível em: <https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2020/summary/>. Acessado em: 14 de abr. de 2021.
  • SMOTHERS, R. Commemorating a Discovery in Radio Astronomy. The New York Times, 1998. Disponível em: <https://www.nytimes.com/1998/06/09/nyregion/commemorating-a-discovery-in-radio-astronomy.html>. Acessado em: 14 de abr. de 2021.
  • WALL, M. 1 year after epic black hole photo, Event Horizon Telescope team is dreaming very big. Space.com, 2020. Disponível em: <https://www.space.com/event-horizon-telescope-black-hole-photos-future.html>. Acessado em: 16 de abr. de 2021.

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Sagittarius A*: o buraco negro no centro da nossa galáxia. Espaço-Tempo, 2021. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/sagittarius-o-buraco-negro-no-centro-da-nossa-galaxia. Acesso em: 11 dez. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

Publicação anterior

M87*: o primeiro buraco negro fotografado

Próxima publicação

Tudo o que você sempre quis saber sobre estrelas binárias