Cygnus X-1: o primeiro buraco negro descoberto

A descoberta de Cygnus X-1 declarou pra toda a comunidade científica: os buracos negros realmente existem. Como ele foi descoberto?
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Em 1964 foram lançados dois foguetes suborbitais Aerobee equipados com um par de contadores Geiger como parte de uma missão de mapear alguns pontos de origem de emissões de radiação de alta energia. Ondas de alta energia, como raios X e raios gama, são bloqueadas pela nossa atmosfera, então a observação de emissões mais energéticas devem ser feitas na órbita da Terra.

Imagem raios X de Cygnus X-1 tirada pelo Chandra Observatory. Fonte: NASA

Como resultado, foram mapeadas oito fontes de emissões de raios X. Uma delas chamou atenção por ser extremamente forte, localizada na constelação de Cisne. Naquelas exatas coordenadas não havia nenhum tipo de emissão igualmente intensa no espectro de luz visível ou de ondas de rádio, mas era extremamente forte em raios X.

O Leiden Observatory, na Holanda, e o National Radio Astronomy Observatory, nos EUA, detectaram de forma independente que a fonte do sinal de raios X estava na estrela HDE 226868, uma supergigante azul. Mas tais emissões tão intensas e energéticas não poderiam ser emitidas por uma estrela, portanto, HDE 226868 deveria ter um objeto companheiro invisível que fosse capaz de aquecer o gás até milhões de graus Celsius para que fosse capaz de emitir sinais de raios X.

Vimos como a temperatura se relaciona com emissões eletromagnéticas em um artigo anterior sobre classificação de estrelas. Veja lá!

Em 1971 foi anunciada a descoberta de um corpo celeste muito massivo junto de HDE 226868. Por meio de medidas de desvio de vermelho da luz da estrela supergigante, viu-se que essa estrela apresentava desvios periódicos, ora para o vermelho, ora para o azul. Ou seja, a estrela estava orbitando algo invisível e muito mais massivo do que ela mesma. Órbita que era completa em apenas 6 dias terrestres. Estimou-se que o objeto poderia ser um buraco negro, já que mesmo a maior estrela de nêutrons não conseguiria exceder três massas solares.

Até o final de 1973, com diversas evidências em mãos, a comunidade astronômica já estava convencida de que Cygnus X-1 poderia ser realmente um buraco negro.

Até então, buracos negros ainda eram hipotéticos

John Preskill (esquerda), Kip Thorne (centro) e Stephen Hawking (direita), em 1997.

Hoje sabemos que buracos negros realmente existem, inclusive já até tiramos foto de um. Mas os cientistas não tinham evidências definitivas dos buracos negros durante um longo tempo. Cygnus X-1 foi detectado em 1964, mas ainda levou quase 30 anos para os dois principais físicos especialistas em buracos negros, Stephen Hawking e Kip Thorne, concordarem que Cygnus X-1 era realmente um buraco negro. Inclusive, em 1975, Kip Thorne e Stephen Hawking apostaram se Cygnus X-1 seria realmente um buraco negro. Stephen Hawking perdeu a aposta.

“Trata-se, para mim, de uma forma de apólice de seguro. Desenvolvi inúmeros trabalhos a respeito dos buracos negros, que se perderiam completamente se provassem que eles não existem. Mas, nesse caso, eu teria o consolo de ganhar a aposta.”

Stephen Hawking, em seu livro “Uma Breve História do Tempo”

Desde a sua descoberta, o Cygnus X-1 tem sido o foco de numerosos estudos. Mas, como é de se esperar, o primeiro buraco negro descoberto não ainda não parou de surpreender os físicos do mundo inteiro. Uma pesquisa científica bem recente, de fevereiro de 2021, revelou que o buraco negro tem cerca de 21,2 massas solares. Um número surpreendentemente alto para um buraco negro de origem estelar que, até então, se estimava ter aproximadamente 15 massas solares.

Como Cygnus X-1 se formou?

Cygnus X-1, também abreviado como Cyg X-1, está localizado a aproximadamente 2,22 kiloparsecs (~7250 anos-luz) da Terra e é um buraco negro estelar, ou seja, não é um buraco negro supermassivo como o que existe no centro da Via Láctea ou em inúmeras outras galáxias espalhadas pelo universo. Ao invés disso, Cygnus X-1 foi criado através de uma estrela que se colapsou há milhões de anos.

Estima-se que a estrela que originou o buraco negro de Cygnus X-1 tivesse em torno de 60 massas solares. Parte do material expelido pela supernova que não foi atraído pelo buraco negro pode ter sido absorvido pela sua estrela supergigante companheira – emissões de hélio e carbono na superfície da gigante azul sustentam essa hipótese – enquanto o restante foi disperso para o espaço interestelar pelos ventos solares. No entanto, a falta de remanescentes de supernova também reforça a hipótese de astrofísicos de que a estrela que originou Cygnus X-1 tenha se colapsado diretamente em um buraco negro.

Impressão artística de Cygnus X-1 com seu disco de acreção, jatos relativísticos e a estrela HDE 226868. Vale dizer que a ilustração ignora os efeitos de lentes gravitacionais e distorção da luz.

A estrela HDE 226868 tem uma órbita tão próxima de Cygnus X-1 que parte de sua matéria é atraída pelo buraco negro para dentro de sua órbita, formando o disco de acreção. O atrito do plasma e da matéria em movimento ao redor do horizonte de eventos o aquece a temperaturas de milhões de graus Celsius, emitindo a radiação no espectro de raios X que detectamos.

A medida que a matéria é atraída para dentro do buraco negro, parte da energia é liberada como enormes jatos emanando dos polos, perpendicular ao disco de acreção. Esses jatos de partículas eletricamente carregadas e radiação em seus polos são emanados a velocidades próximas a da luz, sendo essa uma de suas características mais marcantes. Esses tipos de buracos negros brilhantes são chamados de quasares.

Com dados obtidos dos telescópios ópticos, radiotelescópios e telescópios raios X, como o Chandra X-Ray Observatory, os cientistas foram capazes de determinar a velocidade de rotação de Cygnus X-1 com uma precisão sem precedentes, mostrando que o buraco negro gira numa velocidade próximo à sua velocidade máxima: mais de 800 rotações por segundo.

Impressão artística de um AGN.

Muitas das características observadas em Cygnus X-1 são compartilhadas com AGNs, os núcleos galácticos ativos. Tanto no caso do Cygnus X-1 quanto de um AGN, uma emissão de raios X parece originar-se da acreção no buraco negro, então muitos astrofísicos buscam uma melhor compreensão de como um AGN funciona por meio de Cygnus X-1.

Como descobrimos sua distância e massa?

Como mencionado em alguns parágrafos acima, novas observações mostraram que Cygnus X-1 é muito mais massivo do que previamente estimado: 21 massas solares. O novo estudo do ICRA (International Centre for Radio Astronomy) é baseado em observações do Very Long Baseline Array, que é composto por 10 radiotelescópios espalhados pelos Estados Unidos. Combinar seus sinais os transforma em um único radiotelescópio tão amplo quanto o continente norte-americano e, por mais de seis dias, foi usado para monitorar Cygnus X-1 enquanto orbitava sua estrela binária companheira. Ao comparar essas novas observações com outras semelhantes coletadas em 2011, a distância que a Terra percorreu produziu uma linha de base grande o suficiente para medir a diferença nos ângulos do Sistema Cygnus X-1, permitindo aos astrônomos estimar com mais precisão sua distância de nós.

A linha de base da medição da distância de Cygnus X-1 foi baseada na distância que a Terra viajou ao redor do Sol. Fonte: International Centre for Radio Astronomy Research

E eles descobriram que Cygnus X-1 está mais longe do que se pensava: 7240 anos-luz em vez de 6100. Usando essa nova distância, foi possível recalcular a massa do buraco negro, que não só é muito maior, mas também exigirá uma reavaliação de nosso entendimento de como as estrelas perdem sua massa à medida que envelhecem.

Porque uma foto de M87, e não de Cygnus X-1?

M87: a primeira imagem de um buraco negro supermassivo, pelo Event Horizon Telescope.

Uma pergunta que já me fizeram foi: porque foi tirada uma foto do buraco negro de M87, uma outra galáxia distante, e não de Cygnus X-1, que está a “apenas” 7200 mil anos-luz de nós?

O problema é que Cygnus X-1 é um buraco negro relativamente pequeno. Seu horizonte de eventos tem cerca de 50 km de diâmetro. Mesmo a uma distância de 7000 anos-luz, seu diâmetro angular ainda está muito abaixo da resolução de imagem do Event Horizon Telescope. Já M87 tem um buraco negro com tamanho maior que nosso sistema solar. No lugar do Sol, seu horizonte de eventos se estenderia para além da órbita de Plutão.

O próximo candidato para o Event Horizon observar é Sagittarius A*, o buraco negro supermassivo localizado no centro da Via Láctea.


Vamos falar mais sobre a galáxia de M87 no próximo artigo desse trio de artigos sobre os buracos negros que mudaram o mundo. Aguarde!

Referências

  • Cygnus X-1: A Stellar Mass Black Hole. NASA, 2011. Disponível em: <https://www.nasa.gov/mission_pages/chandra/multimedia/cygnusx1.html>. Acesso em: 24. de fev. de 2021.
  • Cygnus X-1, The Black Hole. Obserwatorium Astronomiczne Uniwersytetu Jagiellońskiego (Observatório Astronômico da Universidade Jaguelônica). Disponível em: <http://www.oa.uj.edu.pl/research/cygx1.html>. Acesso em: 13 de mar. de 2021.
  • HAWKING, Stephen. Uma Breve História do Tempo. Rio de Janeiro: Editora Rocco. 2000.
  • MILLER-JONES, J. C. A. et. al. (2021). Cygnus X-1 contains a 21–solar mass black hole—Implications for massive star winds. Science, p. 1046-1049. Disponível em: <https://science.sciencemag.org/content/371/6533/1046>. DOI: 10.1126/science.abb3363.
  • MIRABEL, I. F., RODRIGUES, I (2003). Formation of a Black Hole in the Dark. Science, p. 1119-1120. Disponível em: <https://arxiv.org/ftp/astro-ph/papers/0305/0305205.pdf>. DOI: 10.1126/science.1083451.

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Cygnus X-1: o primeiro buraco negro descoberto. Espaço-Tempo, 2021. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/cygnus-x-1-o-primeiro-buraco-negro. Acesso em: 23 abr. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

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