Por que observatórios disparam lasers para o céu?

Uma breve explicação sobre o sistema de óptica adaptativa que equipa os grandes observatórios.
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Lasers disparados por um telescópio no Observatório Paranal, no Chile. Imagem: ESO.

Ao pesquisar imagens do céu noturno ou imagens de observatórios, talvez você já tenha se deparado com essa cena: um telescópio aponta lasers para o céu. No início do filme Não Olhe Para Cima, a protagonista faz uso da mesma técnica (o filme foi filmado no telescópio Subaru, no Havaí).

Os observatórios costumam apontar lasers amarelos para o céu em uma técnica chamada óptica adaptativa. A óptica adaptativa é uma tecnologia usada para melhorar a qualidade das observações compensando a distorção causada pela atmosfera da Terra.

A atmosfera da Terra pode fazer com que a luz de objetos celestes fique borrada e distorcida ao passar por camadas de densidade e temperatura variáveis. Para neutralizar essa distorção e obter imagens mais nítidas, os observatórios usam um método que envolve a criação de uma estrela-guia artificial no céu.

Esta estrela-guia é usada como ponto de referência para medir a distorção atmosférica e, em seguida, são feitos ajustes corretivos em tempo real nos espelhos do telescópio para compensar essa distorção.

Como funciona a óptica adaptativa?

Conjunto óptico do Very Large Telescope (VLT), da ESO, que equipa o laser de óptica adaptativa mais potente do mundo. Imagem: ESO/F. Kamphues.

A óptica adaptativa é equivalente ao cancelamento de ruído dos fones de ouvidos modernos — mas para a luz ao invés do som. A luz da estrela guia é coletada por um sensor de frente de onda, que mede as diferenças entre a frente de onda ideal (não distorcida) e a frente de onda distorcida real que chega ao telescópio.

A informação do sensor de frente de onda é usada para controlar um espelho deformável. Este espelho consiste em muitos pequenos segmentos controlados individualmente que podem ser ajustados por motores em tempo real para neutralizar a distorção atmosférica. O objetivo é manipular o formato da superfície do espelho de forma a compensar as irregularidades na frente de onda de entrada causadas pela atmosfera.

O processo de medir a distorção da frente de onda, reconstruí-la e ajustar o espelho deformável é repetido em um ciclo fechado. Isto significa que as correções são aplicadas continuamente com base nas medições em tempo real. O objetivo é manter uma frente de onda clara e sem distorções, o que se traduz em imagens mais nítidas e detalhadas.

Diagrama do Unit 4 Telescope do VLT. Imagem: ESO.

Com o sistema de óptica adaptativa instalado, o telescópio é capaz de coletar luz que foi significativamente menos distorcida pela atmosfera. Isto permite aos astrônomos obter imagens de maior resolução, permitindo-lhes estudar detalhes de objetos celestes que, de outra forma, ficariam desfocados.

Por que são amarelos?

Os lasers são amarelos devido à forma como a atmosfera da Terra espalha a luz. Esse fenômeno é conhecido como espalhamento Rayleigh. O espalhamento Rayleigh é mais forte para comprimentos de onda curtos, como azul e verde, por isso que essas cores são espalhadas mais facilmente na atmosfera, deixando o céu azul durante o dia.

Ilustração do espalhamento Rayleigh. Imagem: NAOJ. Adaptado pelo autor.

No entanto, a luz amarela tem um comprimento de onda mais longo em comparação com a luz azul e verde, tornando-a menos propensa à dispersão na atmosfera. Isso significa que uma estrela-guia de laser amarela penetra mais profundamente na atmosfera antes de ser significativamente espalhada ou absorvida, logo, a estrela artificial criada pelo laser amarelo dá uma referência mais confiável para a óptica adaptativa.

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HOSTI, B. P. Por que observatórios disparam lasers para o céu?. Espaço-Tempo, 2023. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/por-que-observatorios-disparam-lasers-para-o-ceu. Acesso em: 4 nov. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.